TAO TE CHING

TAO TE CHING, o romance (Quadragésimo primeiro limiar – A consciência)

            Eu tinha retornado ao início da Era Cristã. Um homem eloquente, com cerca de quarenta anos, muito magro, vestido de maneira simples, expressava um interessante raciocínio em praça pública. Aproximei-me. Ele falava que para termos uma boa morte deveríamos ter uma boa vida; para tanto, era preciso valorizar as conquistas do espírito em detrimento aos interesses meramente mundanos. Tudo aquilo para o qual fomos condicionados a desejar, deveria restar modificado. Evoluir é aprimorar os desejos. Desperdiçávamos os dias na busca de coisas vãs, que em nada preencheriam o vazio da alma, tampouco nos ofereceria dias melhores, ainda que repletos em fortuna e poder. A autêntica riqueza era o amor; tudo mais, embora não fosse necessariamente ruim, não seria capaz de conceder acesso às maravilhas da vida. A maior parte das pessoas que o ouviam, o hostilizaram. Valeram-se de pilhérias para ridicularizar o homem que consideravam desmiolado e tolo. Ele se manteve sereno como que compreendesse a incompreensão da pequena multidão. Aos poucos, as pessoas se afastaram. Uma mulher lhe ofereceu pão e água; um casal disse que, se quisesse, poderia passar a noite em sua casa. Aceitou as ofertas com gestos sinceros de profunda gratidão. Depois que todos se foram, a sós, o homem se sentou em um banco da praça e me convidou para me acomodar ao seu lado. Falei que havia admirado as suas palavras, assim como a sua disposição de não esmorecer nem reagir mal diante das ofensas que recebeu. Ele bebeu um gole d`água como quem tem sede e disse: “Sou um homem do Caminho. Peregrino pelo mundo usando a boa palavra como se fosse um candeeiro a orientar quem está perdido na escuridão de si mesmo; sei que poucos me escutarão. Muitas são as influências e provocações que tentarão me tirar do rumo. A cada uma delas, ao não permitir que me arranquem do meu eixo de luz, agradeço a oportunidade de aprofundar as raízes no solo da verdade e ampliar o poder das asas através das virtudes que me permitem voar sobre os abismos da incompreensão. Adquiro equilíbrio e força, me movo com suavidade e leveza cada vez maiores. A função dos abismos não é me impedir de prosseguir, mas de me ensinar como transformar pernas em asas. Na maturidade da existência, ao conhecer o Caminho, o incorporamos”. Falei que não tinha entendido aquela frase. O homem, que parecia ter uma bondade sem limite, explicou: “A maturidade germina quando aceitamos com serenidade as responsabilidade pelas consequências decorrentes de nossas escolhas. Alguns se iludem que ao fazerem o bem terão dias sem percalço. Ledo engano. Manter a luz acesa é uma batalha ininterrupta; muitos são os enviados pelas sombras na tentativa de demoverem os viajantes de seguir adiante. Lutar o bom combate exige determinação e maturidade para não esmorecer nem desistir. A maturidade floresce quando a percepção e a sensibilidade atingem determinado grau de refinamento”. Interrompi para saber qual grau seria esse. Ele esclareceu: “O início ocorre na compreensão de que somos um espírito em aperfeiçoamento através de experiências existenciais. Então, todos os movimentos passam a ter como prioridade a escalada evolutiva sob esse prisma. Não que as conquistas mundanas possuam algo de ruim, sejam desprezíveis ou maléficas. Nada disto. O que não pode é que sejam alcançadas sem levar em consideração que a luz pessoal se acende ou se apaga de acordo como nos movemos pelos dias”. Perguntei que luz era essa a qual se referia. O homem disse: “São as virtudes, que se manifestam através das mil maneiras de amar, uma sábia maneira de viver. À medida que são agregadas novas virtudes, a luz pessoal se intensifica. Assim atingimos à plenitude da vida, um lugar construído dentro da gente que nos permite expressar no mundo todo amor, liberdade, dignidade, paz e felicidade conquistadas”. Fez uma pausa antes de concluir: “A verdade nos mostra a beleza da viagem. Pelas virtudes, o viajante a incorpora em si”.

Indaguei como fazer para vislumbrar a verdade. O homem disse: “A verdade é a última fronteira alcançada pela sua consciência”. Tornei a interromper para saber o que era consciência. Ele explicou: “É a percepção sobre si mesmo e a sensibilidade quanto a tudo e todos ao redor”. Falei que a consciência se expande a cada experiência mais bem elaborada. Logo, a verdade também se modificaria por todo tempo. O homem fez sim com a cabeça e acrescentou: “Sim, e isso é fantástico, pois me mantém em movimento contínuo que, por sua vez, me faz entender a necessidades de agregar novas virtudes para seguir para além de quem eu sou”. Bebeu um pouco mais de água e disse: “Quem eu sou me trouxe até aqui, mas não me levará adiante; para seguir preciso me tornar alguém diferente e melhor. Assim, a constante expansão da verdade alavanca permanentes transformações pessoais. Vivo no mundo as experiência que, quando bem elaboradas, se traduzem em amor e sabedoria, força e equilíbrio, suavidade e leveza. Este é o motivo pelo qual afirmamos que o Caminho é percorrido dentro e fora da gente simultaneamente”.  Como se um pensamento escapasse da mente para se revelar em palavras, balbuciou: “O Reino dos Céus está dentro e fora de vós”. O homem sorriu.

Pedi para que definisse percepção e sensibilidade, os pilares da consciência. O homem foi pedagógico: “Percepção é a capacidade de compreender os significados ocultos às aparências que costumam nos iludir com facilidade. Observamos a vida com os olhos; acreditamos nos personagens que criamos no desejo de aceitação, pertencimento ou aplausos. Temos por hábito compreender todas as coisas pelos seus resultados sem levar em contas as causas que os provocaram. Fugimos da verdade o tempo todo. É preciso aprender a ler a verdade para conhecer a realidade. A essência de todas as coisas não se mostra a olhares despreparados, apressados e distraídos. Nem todas as palavras que contam uma história estão escritas no livro; apenas a percepção concede acesso a leitura subliminar das linhas sem palavras”. Fez uma pequena pausa antes de continuar: “Sensibilidade são as compreensões apenas permitidas ao coração; bons sentimentos impulsionam ideias virtuosas. A mente desenha a verdade, o coração nos move rumo a ela. Ao desmanchar emoções destrutivas, as boas ideias aprofundam as raízes da liberdade, da paz e da dignidade; sentimentos sutis ampliam as asas do pensar. De outro lado, pensamentos nocivos semeiam emoções densas que, por sua vez, estrangulam as boas ideias. A simbiose entre mente e coração é contínua; toda a atenção é pouca. Percepção e sensibilidade constroem a verdade onde cada pessoa mora. Pensamentos e sentimentos coabitam conosco em uma mesma casa por todo o tempo; eles a embelezam ou a destroem”.

Admiti que por vezes me sentia assim, dono de mim; noutras, não tinha certeza de quem eu era nem para onde seguiria. A inconstância era constante. O homem esclareceu: “Ser é diferente de estar”. Calou-se por instantes a procura de um exemplo e disse: “Ser feliz não é a mesma coisa de estar feliz. Ser é uma conquista, um verdadeiro e inalienável poder; estar é apenas uma circunstância, uma permissão eventual e, por isto, uma fábrica de dependências e ansiedades”. Esperou para eu alocar a ideia antes de prosseguir: “Na transição entre esses dois pontos evolutivos, o ser e o estar, haverá muitas hesitações e dúvidas; fugas para entorpecer os sofrimentos funcionarão como autênticas armadilhas. Doses cada vez mais alta de euforia, que o viajante afoito confundirá com alegria, e prazeres sem conteúdo que muitos acreditam se tratar do mel da vida, fará com que se encantem mais com as cores da paisagem do que com a beleza do Caminho. Se acostumará a conviver com a dor, como se fosse inevitável, ao invés de aprender a desconstrui-la. Até que haja a indispensável determinação em seguir rumo à evolução espiritual, viverá na desarmonia entre o sagrado e o mundano, como se tivesse que escolher um dos dois, sem se dar conta que o sagrado apenas se manifesta através do jeito como lidamos com as coisas do mundo. Este é instrumento necessário àquele. Enquanto não entender isso nada saberá sobre o legítimo significado da fé, tampouco como essa maravilhosa virtude se manifesta. Acreditará se tratar do mero convencimento de uma crença, mais por interesse e temor do que pelo entendimento e aplicação em seu exato sentido: mover o sagrado através de cada situação comum ao cotidiano. Um fantástico poder pessoal permanecerá em desuso”.

Antes que eu perguntasse, ele se adiantou: “Aquém desse ponto, há os toscos, os imaturos. Tosco significa o que ainda se encontra em estado grosseiro, não possui nenhuma lapidação. A sua essência ainda está escondida atrás de espessas camadas que impedem a luz de atravessar. O orgulho, a vaidade, a ganância e o ciúme ainda dominam as escolhas do indivíduo tosco que, ao ouvir falar do Caminho, o ridiculariza.  Para ele, a humildade é para as pessoas fracas, a simplicidade para os ignorantes, a pureza serve aos tolos e o amor é bobagem de poetas embriagados e mocinhas fúteis, pois, não paga as contas do mês nem as compras do mercado. Nada sabe sobre alinhar em um mesmo movimento as questões de sobrevivência com as de transcendência. O ego vive o seu apogeu na imaturidade da alma. Tudo aquilo que não se traduz em dinheiro ou domínio sobre outras pessoas, nenhuma importância terá. A simples menção de que percorre a estrada errada, aquela na qual a essência que se manifesta em luz não está na sua bagagem, o incomoda profundamente. Então, reage com ironia ou sarcasmo, formas veladas de agressividade. Sem saber, ele evidencia o poder do Caminho, assim como a crítica de um ignorante é um elogio aos ouvidos de um sábio”.

Perguntei a razão de tamanha resistência. O homem ponderou: “Lucidez significa a vitória da luz sobre a escuridão; trata-se de um uma conquista pessoal e intransferível. Assim como a escuridão impede o melhor olhar, a luz repentina traz incômodo a olhos desacostumados à claridade, sendo causa de cegueira pelo desconforto causado; a luminosidade proporcionada pela verdade parecerá obscura, pois, será negada enquanto não entenderem o seu poder transformador”. Ofereceu-me um pedaço de pão e acrescentou: “Embora nunca abdique da sua luz, tenha o cuidado de não trazer constrangimentos a outras pessoas, a não evidenciar a ignorância de ninguém perante o público. Tenha a delicadeza de colocar a sua verdade de maneira que não ofenda aqueles que discordam de você. Fuja dos aplausos como quem evita as catástrofes. Nunca exalte os próprios feitos, embora jamais cesse de os realizar. Lembre que o valor está na utilidade da obra, não na fama do artista. Viva desapercebido. Ame a quietude e a mansidão tanto quanto queira bem a si mesmo. Não se deixe conduzir pela multidão, mas não evite as pessoas; fora do convívio o amor perde a razão de existir”.

Indaguei como um viajante saberia qual rumo deveria seguir. Há muitas rotas disponíveis. O homem arqueou os lábios em singelo sorriso e disse: “O Caminho é a viagem de volta para casa. Para os desavisados, o avanço se assemelha ao retrocesso. Descobrir, despertar e aperfeiçoar o espírito; conhecer a si mesmo para se transformar em outro diferente e melhor. Ir ao encontro da própria essência é a rota da verdade. Não há outra que o leve à luz. Na medida que fortalece e equilibra a si mesmo, o indivíduo ilumina o mundo. Nesta jornada, irá realizar uma troca de valores. Pouco a pouco, os gostos, sabores e desejos do ego se encantarão com os gostos, sabores e desejos da alma. A riqueza que priorizará não será mais a que traz interesse a grande maioria das pessoas. Para estes, o viajante parecerá uma pessoa sem atrativos, desinteressante, simplória, fracassada e até mesmo perdida. As multidões acreditam que a existência daqueles que seguem o Caminho será desperdiçada. Sem se deixar atingir ou esmorecer pelas críticas do mundo, os viajantes da luz seguem firmes, humildes, simples e amorosos”.

Argumentei sobre a dificuldade de viver na contramão dos interesses e valores da maioria das pessoas. O homem ponderou: “As preocupações que costumam furtar tempo e energia das multidões, os medos comuns ao cotidiano roubam a tranquilidade dos dias. Surge a ansiedade, pois, os resultados, ora não aparecem, ora chegam, mas partem com rapidez; então, se instala a revolta ou a tristeza. De outra face, ao passo que aceita as dificuldades, não como quem é perseguido por um algoz, mas como quem recepciona um mensageiro que bate à sua porta para entregar um presente, qualquer montanha se parecerá com uma planície”. Interrompi para questionar que presente seria esse. O homem me surpreendeu: “Um poder pessoal”. Em seguida, esclareceu: “Todos os problemas surgem para expandir a verdade ou agregar virtudes; enquanto não entender isto, viverá com um algoz ao seu encalço; o simples se mostrará complicado. Ao expandir a verdade, vejo o que antes não enxergava, descubro portas, rumos e estradas que eu acreditava não existirem. Ao agregar virtudes, consigo me mover por entre os obstáculos com mais habilidade, sem a aspereza e a amargura de antes; vou além de quem sempre fui. Ao adquirir uma ferramenta para o meu bem-viver, ganho poder de aplainar o tamanho das dificuldades. Sob qualquer análise, isso significa evolução. O obstáculo que os toscos veem como uma montanha íngreme e cansativa, os sábios enxergam uma linda e ensolarada planície”.

Apesar de tanta beleza, questionei a razão de as pessoas não se apaixonarem pelo Caminho. O homem argumentou: “A luz oferece as maravilhas da vida, mas exige enormes desafios intrínsecos. Batalhas que muitos ainda não estão dispostos a enfrentar”. Deu de ombros como quem fala o óbvio e exemplificou: “É mais fácil encontrar a poeira em uma casa cujas janelas se abrem ao sol; roupas claras ressaltam a sujeira imperceptível em tecidos escuros; a pureza evidencia as manchas. Não, as multidões não gostam de admitir os seus erros; preferem distribuir culpas a esmo. A luz não será bem-vinda enquanto a importância do desconforto não for entendida como algo benéfico, um chamado à transformação. Não raro, e por isto, o viajante da luz causará enorme incômodo; o seu jeito simples e humilde, as suas atitudes, ainda que mansas e discretas, funcionam como o espelho da verdade que muitos ainda não estão prontos para se mirar. Haverá repúdio; mínimos equívocos do viajante serão apontados como grandes erros. Por saber disso, ele confia em si mesmo, perdoa e segue em paz”.

Indaguei o motivo de tantas pessoas se sentirem insatisfeitas. O homem ponderou: “Quando não estamos bem, nada está bom. Uma vida sem sentido é a origem do grande abismo. Não me refiro aos precipícios montanhosos, falo da corrosão de uma pessoa que não entende o vazio aparentemente impreenchível entre o ego e a alma. Muda-se de casa e de país; troca-se os amigos, o emprego e o guarda-roupa. Muito é pouco; não importa o poder e a fortuna, nada satisfaz até o dia seguinte. O abismo aumenta a cada dia. Ouve falar sobre uma estranha maneira de ser e viver, um poder sem espadas, uma riqueza que nada tem a ver com dinheiro, uma absurda maneira de morar bem fora dos castelos. Trocar tudo pelo todo parecerá insano. Se tudo não basta, o todo será insuficiente, acreditam. Navegará como um barco à deriva, apesar das velas enfurnadas, o leme quebrado o deixará a mercê dos ventos e das marés, dizendo a si mesmo que é o comandante do próprio destino, sem se dar conta que segue rumo ao naufrágio”. Fez uma pergunta que não precisava de resposta: “Entende o poder da verdade?”.

Em seguida, acrescentou: “O quadrado perfeito não tem ângulos”. Diante da minha surpresa com aquela afirmação, ele expandiu o raciocínio: “Na geometria sagrada o círculo é a imagem da perfeição. Simboliza o céu enquanto o quadrado representa a terra. Dar sentido à vida é arredondar os ângulos, pouco a pouco, até que do quadrado se faça um círculo. Eis o compromisso do viajante consigo mesmo. Todos os dias. Tornou a deixar que um pensamento escapasse em palavras e balbuciou: “Assim na terra como no céu”. O homem sorriu. Como se soubesse que eu não estava satisfeito com a explicação, ele acresceu: “O diferencial dos sábios é a capacidade de alinhar sob um mesmo eixo as necessidades do espírito e do corpo, da sobrevivência e da transcendência; não mais permitindo que as tempestades do mundo afoguem a alegria do coração. Para alcançar tamanha autonomia, terá de atravessar a estrada da verdade por intermédio das virtudes. É uma jornada lenta e gradual. O grande talento se revela tarde, sendo necessário um sem-número de ciclos existenciais”. Fez uma pausa antes de prosseguir: “A capacidade de interpretar com exatidão aquilo que não foi falado, ou de modo diverso como foi dito, ou mesmo compreender a dor incompreendida de um grito, saber quando o não é sim ou vice-versa, revelam percepção e sensibilidade apuradas.  Se música fala a linguagem da alma, a melhor melodia não tem som. Não se faz necessário. Nenhuma palavra explicará o que a alma ainda não consegue expressar; maior valor terá a alma que conseguir entender outra alma ainda incapaz de compreender a si mesma. O grande talento revela a capacidade de ouvir a voz do silêncio”.

Ao perceber o meu interesse, o homem continuou: “Evoluir possui vários significados. Aprender a amar mais e melhor, uma vez que o amor tem amplitudes e profundidades diversas; se tornar um pessoa diferente e melhor, um pouco mais a cada dia para que possa avançar na viagem rumo à luz, são definições válidas e legítimas. Evoluir é também desapegar do denso para fazer morada no sutil; entender a vida além da matéria é compreender a verdade do espírito, onde a realidade, à medida que a compreendemos com maior exatidão, mostra a desnecessidade das formas para evidenciar o poder abstrato da essência. Toda matéria é energia condensada ou, se preferir, aprisionada em caixas. Cada caixa tem um formato. Assim são todos os corpos. No processo evolutivo, ao atingir determinado nível, e seguir se expandido, o espírito precisará ir além da caixa. Em outras palavras, precisará abandonar o corpo quando este não mais se mostrar necessário”. Questionei se o corpo é o cárcere de um espírito rústico, ainda incapaz de se mover com plena liberdade, como uma criança que apenas pode brincar dentro do quintal de casa por não ter condições de andar sozinha na rua. O homem se divertiu com a analogia, sorriu em anuência e acrescentou: “O espírito, na medida que evolui, perde as formas dos diversos corpos que possui para se tornar apenas energia. A imagem perfeita não tem forma. Muitos não compreendem o conceito; alguns o entendem, mas não estão dispostos a aceitar o exercício; somente poucos conseguem, desde já, se preparar para esse nível de realidade”.

Apontei para uma estrada ao longe; falei que faltava ao Caminho a visibilidade, sinalização e nomenclaturas típicas de todas as estradas. Assim, o acesso de todos seria facilitado. Algo tão bonito não poderia ficar escondido. O homem me corrigiu: “Não fica, pois está à disposição de qualquer pessoa a todo tempo. O caminho parece oculto porque não pode ser visto nem tocado, apenas percebido e sentido. Ele é percorrido na consciência e se manifesta no jeito de andar do viajante pelo mundo. Rótulos estabelecem parâmetros; definições impõem limites. O Caminho permanece oculto e sem nome; pois, não tem fronteiras nem fim”. Enxugou o suor da testa e exemplificou: “As religiões surgem no sincero esforço de mostrar a todos a beleza dessa maravilhosa estrada evolutiva. De início conseguem; as multidões precisam de cartilhas, que nada mais são do que formas de agir. Toda forma é uma caixa. Então, serão legítimas e valiosas até certo ponto. Depois, na medida da necessidade de expansão, o espírito precisa ultrapassar os limites estabelecidos, que se tornaram pequenos por estar espremido entre paredes. É preciso viver as necessidades do corpo para conseguir transcender o corpo. Então, a luz”.

Fez uma pausa antes de finalizar: “Embora seja uma estrada invisível ao olhos, apenas possível à consciência, o Caminho a tudo alicerça e completa”. Mais uma vez, deixou que os pensamentos escapassem em palavras: “No início era a consciência; ela estava junto a Deus. Na consciência está a origem da luz. A luz resplandece nas trevas, apesar de incompreendida”. O homem sorriu. Tive a sensação de já ter lido aquelas palavras em algum livro. Ou algo parecido. Ele se levantou. Disse que aceitaria o convite do casal para pernoitar na casa deles. Falou para eu seguir adiante. Agradeci a conversa e parti em busca de um portal. Não demorei a encontrar a mandala desenhada no voo de um beija-flor bem à frente dos meus olhos.

Poema Quarenta e Um

O homem maduro,

Ao ouvir falar do Tao, o incorpora.

Na transição,

Ao ouvir falar do Tao, ora o segue, ora o esquece.

O indivíduo tosco,

Ao ouvir falar sobre o Tao, o ridiculariza.

Sem saber, ele evidencia o poder do Tao.

A luminosidade parecerá obscura,

O avanço se assemelha ao retrocesso,

A montanha parece uma planície,

O simples se mostra complicado,

A pureza evidencia manchas,

O todo será insuficiente.

O quadrado perfeito não tem ângulos,

O grande talento se revela tarde,

A melhor música não tem som,

A imagem perfeita não tem forma.

O Tao permanece oculto e sem nome,

No entanto, ele tudo alicerça e completa.

3 comments

Rhodolfo maio 7, 2023 at 1:08 pm

Gratidão!

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Terumi junho 19, 2023 at 12:16 am

Gratidão 🙏

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Maangoba setembro 14, 2023 at 5:34 pm

gratidão, meu caro amigo. percebo que estou na transição para seguir o caminho. me transformando, aos poucos, um dia de cada vez.

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