TAO TE CHING

TAO TE CHING, o romance (Quinquagésimo segundo limiar – A beleza oculta)

Paris, final do Século XIX. Não era difícil para um cidadão contemporâneo reconhecer a cidade, mesmo tendo se passado tantos anos. Para me abrigar dos ventos gelados à beira do Sena, flanei pelas ruas arborizadas transversais ao rio. Tive vontade de me sentar à mesa de um restaurante colocada na calçada, pedir uma xícara de café e ler um jornal da época. Sem pressa. Contudo, tive a atenção voltada para a janela no segundo andar de um pequeno prédio. Uma jovem mulher finalizava uma escultura marcada por traços fortes em seus contornos, exponenciando expressões marcantes da obra. Nossos olhares se cruzaram por breve, porém, significativo instante. Ela retornou ao trabalho. Entrei no prédio e subi as escadas. A porta do ateliê estava aberta. A jovem não se opôs a minha presença. Sentei-me para a observar esculpir. Durante alguns minutos, apenas me atentei ao movimento da espátula moldando a argila com extrema habilidade, como se a cada traço um aspecto da massa disforme se afeiçoasse à vida. Fiz este comentário com a artista. Sem tirar os olhos da escultura, ela disse: “Em breve irá à fundição; então, ganhará a eternidade. Do mesmo modo ocorre conosco ao nos mostrarmos prontos”. Perguntei se também seríamos revestidos em bronze. A escultora sorriu com bom humor. Sabia se tratar de uma brincadeira. Ela pontuou: “A trajetória da vida se faz do grotesco à sutileza de uma imagem de rara beleza. Não das aparências visíveis à superfície, mas no encanto apenas possível quando a consciência se torna capaz de enxergar a beleza oculta no amor que transforma vidas sem qualquer alarde”. Falei que aquela escultura encantaria multidões. Ela me olhou com resignação, mas sem nenhuma tristeza, e me falou com serenidade: “Não há motivo para eu me iludir. Ainda demorará muito tempo para que o meu trabalho seja reconhecido. Talvez nem mesmo seja. Não me importam as críticas se eu sei o que faço. Não careço de permissões para seguir em frente. Tenho em mim o amor que já consigo distribuir através de gestos banais do dia a dia; isto me basta. A expressão artística é grandiosa, mas pequena diante dos movimentos fundamentais à vida. A identidade é a recompensa da maturidade decorrente do diálogo intenso e incessante com a verdade”.

Aproveitei a oportunidade para falar que eu viajava em busca da verdade. Perguntei se ela poderia me ajudar. A artista se mostrou solícita: “Um canalha venerado pelo público por causa das suas belas canções ou telas penduradas nas paredes de museus famosos continuará sendo um canalha. Um desconhecido gentil e sincero, manso e corajoso, delicado e firme em suas relações é um artista genuíno por essência e excelência. A vida é a matéria-prima da arte genuína; a verdade e as virtudes são a partitura e os instrumentos; cada um se traduz na obra de si mesmo. Tudo mais são meras questões de mercado suscetíveis à moda, desinteresses, desastres ou outras calamidades inerentes ao tempo. Não perdura”. Observou a rua através da janela e pontuou: “O universo tem um fundamento que é a mãe do mundo: movimento de expansão. No entanto, nem todos os movimentos conduzem à expansão. Existem as ações de tropeços comuns ao aprendizado; as equivocadas por erros de avaliação, quando ainda não conseguimos interpretar a realidade nas entrelinhas da verdade; e as repetitivas sem resultados favoráveis, na teimosia por não aceitar novas equações e padrões de comportamento. São diferentes modelos de ação equivalentes à estagnação. As atitudes precisam refletir evolução”. Indaguei o conceito de evolução que ela adotava. A mulher foi categórica: “Amar mais e melhor. Quaisquer acréscimos são apenas comentários”. Pedi para que esmiuçasse o raciocínio. A artista esclareceu: “Amar mais se refere à quantidade de pessoas e de situações”. Amar as situações? Estranhei. Ela explicou: “Sim. Encantar-se com a beleza de cada momento vivido. Em todos os instantes do dia existem portais para serem atravessados. Uma gentileza, um sorriso, uma palavra de acolhimento, uma reconciliação, uma aceitação, um abraço, um perdão. Para tanto, se faz indispensável sair do passado e desfantasiar o futuro, relações de espaço-tempo que nos furtam a realidade. Ao perdermos o aqui e agora nada nos restará para construir”. Sorriu e disse: “O mais interessante é que mesmo sozinhos, sem ninguém ao lado, podemos alcançar as maravilhas da vida ao permitir que bons sentimentos impulsionem os pensamentos para além dos muros das possibilidades conhecidas. Temos por condicionamento buscar soluções sopesando questões materiais em detrimento a valores espirituais; as soluções ficam restritas ou priorizam questões meramente mundanas. A vida se apequena. Faz-se necessário inverter a equação caso queira alcançar resultados inimagináveis. Ao colocar em prática o entendimento de que o corpo é apenas um mecanismo necessário ao espírito em um sofisticado campo de prova, no intuito de que a sabedoria e o amor floresçam em forma de virtudes diante das dificuldades vividas, alteramos o nosso nível de compreensão. A alma desperta. A compreensão fala sobre a qualidade do amor, ensina como amar melhor”.

Virou-se para mim e disse: “Ninguém nasce pronto. O amor necessita de aulas e exercícios para se desenvolver dentro da gente. Todos os acontecimentos servem para isso. Amplitude e profundidade, envolvimento e compreensão, sabedoria e compromisso para que um belo amor não se deteriore em dias mal aproveitados por causa das incompreensões. Sentimentos se enriquecem quando acompanhados de boas ideias; a mente expande as possibilidades ao se mover na pureza do coração. Percepção e sensibilidade constituem os pilares da consciência. De nada serve uma sociedade avançada em diversas vertentes da arte, da cultura e da ciência se não se faz acompanhar do progresso espiritual daqueles que a compõe; são circunstâncias nas quais as sombras costumam se valer para produzir tristes catástrofes. Alheias à verdade e distantes das virtudes, as gerações seguintes àquelas que ergueram civilizações magníficas as destruíram em prejuízo próprio. Sobram exemplos na História”.

Indaguei sobre a diferença entre percepção e sensibilidade. A jovem esclareceu: “Percepção traduz a compreensão que tenho sobre algo ou alguém. Não significa que a minha interpretação seja verdadeira, mas como a alcanço naquele momento. A sensibilidade está relacionada com a intensidade com que as situações e pessoas me tocam ou emocionam. Em perfeita simbiose, mente e coração, pouco a pouco, desenham a verdade. A expressão expansão de consciência sintetiza o complexo processo de aperfeiçoamento e alinhamento entre percepção e sensibilidade. Como quase nada é o que parece, somente com aprimoramento desses dois elementos conseguiremos descortinar os véus das aparências que conduz aos enganos comuns. Quando refinadas ao extremo, permitem autênticas experiências místicas por deslumbrarem um nível de verdade acessível a poucos”. Interrompi para perguntar o que eram experiências místicas. A mulher explicou: “A interação com esferas mais sutis de existência através de encontros com a própria alma, momentos que nos percebemos e sentimos sem a influência da matéria. A sensação de liberdade é absolutamente real e permite vislumbrarmos soluções nunca imaginadas”. Fez uma pausa e concluiu: “Não nego a enorme importância que tanto o conhecimento na condução do indivíduo ao autodescobrimento, como a arte na possibilidade de sutilizar e sintetizar a expressão de uma ideia ou sentimento para o desenvolvimento da consciência. Contudo, jamais substituirão as experiências místicas”. Indaguei sobre aqueles que faziam uso de psicotrópicos para alcançarem tais estágios de consciência. Ela foi categórica: “Tolos. A evolução é uma construção sem elevadores. Não há atalhos na estrada para a verdade. Delírios não possuem conteúdo espiritual, assim como a criatividade nunca foi manifestação de loucura, mas de uma consciência em instantes de plena liberdade derrubando os muros das impossibilidades”.

Perguntei como se poderia reconhecer essas experiências. A artista ponderou: “Ao conhecer a mãe, se entende o filho”. Antes que eu manifestasse qualquer desentendimento, ela se adiantou: “Como falei há pouco, os fundamentos básicos de movimento e expansão são a mãe do universo por serem o centro gerador da evolução espiritual, o genuíno sentido da vida. Este centro gerador se chama consciência. E cada um tem a sua de acordo com o nível de percepção e sensibilidade já alcançadas. Diferentes pessoas interpretarão um mesmo fato de maneiras diversas. Cada indivíduo é um microuniverso em si povoado pelas infinitas elaborações das experiências vividas. Um fato que para alguns significa perda, para outros representa uma oportunidade; aquilo que uns entendem como castigo, há quem agradeça o aprendizado. O modo como a pessoa compreende e assimila a situação a mantém estagnada ou a movimenta rumo à evolução. As compreensões definem, escolhas, comportamentos e estilos de vida. Tristezas, desânimos e desarmonia ou alegrias, transformações e beleza. A depender da reação entendemos se está afinada aos dinamismo cósmico. Se os sofrimentos e medos decorrentes da situação se encerram, significa que a experiência foi elaborada com a devida lucidez”.

Eu quis saber como poderia escalar tais tons de compreensão. A mulher pontuou: “Guarde o silêncio. O silêncio é a voz da alma; a quietude é a sua casa. No tumulto dos dias, ao me assustar com os rugidos e ruídos do mundo, perco a minha melhor interlocutora, aquela que me ilumina os passos para que a viagem reste protegida. A alma. Os maiores perigos que corro são decorrentes das minhas próprias escolhas. Ninguém se prejudica mais do que cada um a si mesmo. Portanto, preste muita atenção se as ideias e emoções que o dominam estimulam à destruição ou à construção, se o fazem avançar com suavidade e leveza ou apenas repetem padrões de inércia, dores e confusões. Se cada pessoa mora dentro de si, que feche as portas para tudo aquilo que faz mal ou represente qualquer tipo de atraso e retrocesso”. Tornou a olhar pela janela, como se procurasse pelas palavras exatas, e acrescentou: “Preservar o silêncio não é se manter sempre calado; quietude não é estagnação. Interagir com o mundo é fundamental à evolução pelas experiências que proporcionam. Silêncio e quietude são as condições básicas de interlocução com a alma, permitindo o aperfeiçoamento das experiências para as traduzir em soluções repletas de amor e sabedoria. A luz da alma precisa vir à tona para que a beleza oculta e singular de cada pessoa possa se revelar”. Tornou a olhar para mim e prosseguiu: “Esses movimentos nos ensinam a caminhar com alegria e prazer mesmo diante dos problemas inerentes à existência. Quem anda por obrigação e sacrifício ainda não entendeu o Caminho. Quem viaja por gosto não conhece o desânimo nem o cansaço”.

Colocou a espátula sobre mesa, se sentou em uma cadeira e prosseguiu: “Temos dificuldade em lidar com a impermanência e o imprevisto inevitáveis à vida. Travamos uma luta insana na tentativa de controlar os acontecimentos. Usamos como desculpa a necessidade de sermos precavidos, quando na verdade temos medo do que não podemos dominar. A ansiedade é o medo não identificado pela impossibilidade de controlar o incontrolável. Uma consequência de quem vive o desejo desmedido por resultados que, na maioria dos casos, dependem de fatores alheios às vontades e até mesmo das capacidades do indivíduo”. Apontou com o queixo a escultura que trabalhava e disse: “Posso colocar o melhor de mim na execução do que faço, mas nenhuma garantia terei se será do agrado do público. Van Gogh nunca teve o prazer de ouvir um único elogio; fato que não o impediu de pintar telas cada vez mais geniais. Ele estava pronto, as multidões não. Nem toda crítica é justa nem todo elogio é merecido. A vida transborda de exemplos assim. O sucesso reside em se colocar por inteiro naquilo que se faz. Nada mais. Viver pelo vício dos resultados faz com que o indivíduo se movimente demais em trajetórias erráticas. Quando o resultado se torna mais importante do que a ação significa que nos afastamos do nosso eixo de luz. Perdemo-nos de quem somos”. Calou-se por alguns instantes, como se formulasse uma ideia, e disse: “Preste atenção nas pessoas que vivem em intensa correria e estressadas. Na maior parte dos casos revelam sujeitos cujo ego se sobrepõem à alma; se sentem obrigados a fazer um espetáculo por dia, pois precisam ser vistos e admirados. Aqueles cuja alma predomina sobre o ego, são mansos, calmos e pacientes. Simplesmente fazem o melhor que podem a cada momento, sem ficarem à espera de qualquer resultado ou comentário. Apenas fazem e seguem em frente”.

Argumentei que vivemos sob o condicionamento atávico de fazermos a conexão entre resultados e felicidade. Sem os resultados esperados nos sentimos infelizes. A mulher ponderou: “Trata-se de uma crença como qualquer outra; e não é fácil descontruir uma crença, pois ficam nas camadas mais profundas da consciência, o inconsciente, dificultando a sua identificação. Em verdade, ainda desconhecemos quase todas as crenças que possuímos. O grau de seriedade disto é que as crenças são determinantes em nossas escolhas, mas não damos conta disto. Essa é uma das grandes dificuldades para alcançarmos a liberdade plena e nos tornamos senhores de quem somos”.

 Perguntei o motivo pelo qual insistíamos em nos deixar aprisionar nesses padrões de comportamento. Ela fez um gesto com a mão para evidenciar as palavras e disse: “Se apaixonar pelos negócios é a maneira mais usual de permitir que isso aconteça. Todavia, usual não significa correto”. Questionei se a paixão seria sempre um problema. A artista disse não com a cabeça e esclareceu: “De jeito nenhum. Tudo depende como lidamos com a paixão. Desde que a paixão sirva para impulsionar a sua vontade sem que se torne um desejo desmedido, servirá para animar a sua trajetória; do contrário, ao se deixar dominar pela paixão, viverá como lacaio de um sentimento desvairado”. Indaguei qual seria a diferença entre amor e paixão. A mulher os definiu: “Paixão é quando buscamos algo no mundo para acariciar o ego; e nada há de errado com isso se entendido os devidos limites do respeito. Embora sem nenhum antagonismo, já que podem coexistir e conviver em harmonia, o amor é o movimento oposto; trata-se de uma oferta da alma para o mundo”. Em seguida, prosseguiu: “Assim como nada há de errado com os negócios, fundamentais às questões de sobrevivência, desde que praticados com necessária ética, resguardando o certo do errado, o bem do mal. O sagrado se manifesta através do mundano, nas questões simples do cotidiano. Não há como os separar; a transcendência tem ligação íntima com a sobrevivência. Quem acredita que pode prosperar nos negócios ao preço de abandonar a alma, não conhecerá a felicidade”.

Levantou-se, pegou uma moringa e encheu dois copos com água. Me entregou um e bebeu o outro. Depois, disse: “O sagrado se oculta em todas as pessoas e situações. Sem exceção. Enxergar o que está aparente, não requer dificuldade. Apreciar os detalhes, valorizar o pequeno e ler nas entrelinhas dos acontecimentos permite aperfeiçoar a leitura da vida. A verdade repousa debaixo dos adornos, por trás dos detalhes, nas reações incontroláveis dos indivíduos que gostam de aparentar equilíbrio, na falsa segurança daqueles que escondem os próprios medos, no sorriso que disfarça a tristeza, do sim que significa não, do desespero contido das pessoas gostam de mostrar que têm tudo sob controle. Lucidez é ver o que não está à mostra nas prateleiras do mundo, mas à mercê da vida”. Ajeitou os cabelos curtos e pontuou: “Somente ao iluminar um ambiente encontraremos as coisas desaparecidas ou desconhecidas. Lucidez é a capacidade de trazer a luz da alma ao olhar. Então, encontramos a verdade escondida dentro da gente. A realidade se modifica. Repare na fragilidade de quem usa a armadura do orgulho e a capa da arrogância para esconder os seus medos e incapacidades; perceba a carência incompreendida dos vaidosos dependentes de admiração; sinta o sofrimento de quem se move por ganância na ânsia por uma felicidade que jamais encontrará; dos que falam em justiça e desejam vingança; ou dos doentes em ciúme que acreditam estar transbordando em amor. Multidões de desequilibrados. De outra face, repare na estabilidade do sujeito humilde que, sensível ao quanto ainda falta conquistar, se mantém frágil diante do poder incomensurável do Caminho. Com isto, traz a força da vida para si por se movimentar serenamente ao encontro da evolução. Perceba a capacidade demolidora da simplicidade ao afastar os enganos e desmanchar as ilusões das aparências, permitindo que o indivíduo se reconstrua sob os fundamentos da verdade até então desconhecida. Preste atenção ao poder da pacificação interior oferecido pela compaixão ao aceitar as pessoas como elas são; ainda que haja a necessidade de colocar limites para refutar abusos, não haverá a insistência nem a aspereza típicas da intolerância nem a insistência pernóstica de querer modelar os outros ao nosso gosto. A autêntica força para superar as dificuldades da vida jamais reside na brutalidade da imposição ou do grito, na arrogância ou na coação, na mentira ou nas artimanhas. A genuína força se revela na mansidão aliada à firmeza de uma decisão coerente à verdade e à nobreza dos valores com quais queremos nos erguer. A força não está no conflito. Mas na coragem de seguir em frente sem obrigar ninguém a nos acompanhar. Fazer o melhor e prosseguir. Ainda que ninguém entenda, tampouco aprove. A paciência, a serena virtude de aceitar que tanto os acontecimentos como as pessoas nem sempre corresponderão aos nossos desejos e verdades, concede serenidade aos movimentos e tranquilidade aos dias. A incompreendida fé, a virtude de movimentar o sagrado que nos habita, encontrando soluções impensadas para quem se mantém restrito ao nível da matéria, são outras virtudes, não apenas de respeito a si mesmo, aos seus próprios valores e verdades, mas também significativos símbolos de um irrefreável poder silencioso, suave e leve”.

Olhou para mim e avisou: “Os dias seguirão repletos de imprevistos. Não faltarão rasteiras e quedas. Jamais desanime. Use a sua luz, retorne ao equilíbrio todas as vezes que balançar ou cair. A alma traz em si a magia da vida, o poder incomensurável da superação”. Comentei que o mundo é um lugar fascinante, porém perigoso. A jovem me lembrou: “Quem caminha na luz não precisa temer os escuro, ensinavam os sábios da antiguidade. Andar na luz significa usar as virtudes como elementos de autoconstrução. Use-as para se mover. As virtudes são elementos da luz. Os maiores perigos são decorrentes da escuridão intrínseca que nos impede de compreender as melhores soluções. Viva no mundo para que possa usufruir de todas as suas maravilhas, apenas possível se conseguir encontrar a beleza oculta de todas as pessoas, coisas e situações. Porém, não more no mundo. Em análise mais aperfeiçoada, cada um mora dentro de si mesmo, com todos os sentimentos, ideias, crenças, expectativas, suposições e experiências arrumadas ou bagunçadas da maneira que for capaz de organizar as gavetas da mente e as prateleiras do coração. De nada adianta viver em uma pacata cidade se junto contigo residem tensão, sobressaltos e agonias. Entenda que isto nada tem a ver com ninguém nem com o lugar que se vive. Aceite a responsabilidade por seus sentimentos, movimento primordial rumo à expansão de consciência”. Apontou para o meu peito e disse: “Ajeite com carinho a casa onde mora. Somente assim vencerá a morte”. Diante do meu espanto com a última frase, ela se adiantou em esclarecer: “O fim dos desequilíbrios emocionais encerra os atuais ciclos de múltiplos retornos existenciais, nos quais a morte como ato de amor e renovação da vida no nível pedagógico que nos encontramos, cessa por definitivo. Fecha-se um período específico de aprendizado, transmutação e realização. Um novo portal se abre para a viagem prosseguir em uma diferente esfera existencial onde o tempo, como o conhecemos, não existe”.

Calei-me. Eu precisava refletir sobre aquelas palavras para que pudessem se tornar ferramentas do meu alforje de viajante das estrelas. Ela me ofereceu um lindo sorriso, pegou a espátula e disse que precisava trabalhar. Antes de sair, perguntei se aquela escultura tinha nome. A artista disse se chamar A idade da maturidade. E acrescentou: “Não do corpo, mas do espírito, quando a beleza oculta se revela”. Agradeci a conversa, me despedi e desci as escadas. A porta do pequeno prédio não dava para rua. Uma mandala amarela e rosa em tons pasteis me aguardava antes da calçada.

Poema Cinquenta e Dois

O universo tem um fundamento

Que é a mãe do mundo.

Ao conhecer a mãe, se entende o filho.

Todos os sofrimentos terminam.

Guarde o silêncio,

feche as portas

E não conhecerá o cansaço.

Movimente-se demais,

se deixe apaixonar pelos negócios

E a felicidade continuará desconhecida.

Lucidez é ver o que não está à mostra,

Se manter frágil traz a força.

Use a luz, retorne ao equilíbrio.

Viva no mundo, mas não more nele.

Assim se vence a morte.

2 comments

Rhodolfo Diniz novembro 19, 2023 at 5:45 pm

Gratidão! 🙏😁

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Maangoba fevereiro 26, 2024 at 7:01 pm

Obrigado, meu amigo!

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