MANUSCRITOS II

O destinatário do amor

 

Era uma fria manhã de outono. O sol aquecia o corpo sobre o pesado casaco de lã. Eu andava pelas ruas estreitas e tortas da charmosa cidadezinha que fica no sopé da montanha que acolhe o mosteiro em busca da oficina de Loureiro para um café quente e um pouco de prosa. Eu estava triste pela ingratidão de algumas pessoas do meu convívio por não corresponderem ao amor que lhes era oferecido por mim. O sapateiro, que costurava o couro como ofício e as ideias como arte, me recebeu com a alegria habitual e logo estávamos sentados ao balcão com duas canecas fumegantes. Depois de expor as minhas insatisfações, questionei ao meu amigo o fato de o amor ser a causa de tanto sofrimento. Achava contraditório, uma vez que esse sentimento está inegavelmente ligado ao bem e à luz. Afinal, sendo o amor algo tão bom, não deveria permitir que ninguém sofresse em seu nome. O artesão bebericou o café e respondeu como quem fala o óbvio: “Sofrem pelo simples fato de não entenderem o amor”. Discordei. Falei que o amor é inerente a todas as pessoas. Acrescentei que não deveria haver um único ser humano na face da Terra que desconhecesse o amor. Loureiro sorriu e disse: “Sim, é verdade. No entanto, tê-lo conosco não significa que já saibamos decifrá-lo. E mais, não é apenas o amor que corre nas veias de toda a gente, porém, todos os sentimentos, os melhores e os piores. Sem exceção. Identificar cada um deles é fundamental; não permitir que uns contaminem outros é parte da arte do andarilho”.

“Mas vamos ficar apenas no amor para que esta conversa não se alongue demais. Quem sofre por amor é aquele que ainda não entendeu quem é o fiel destinatário deste real sentimento, tampouco a sua mecânica”. Falei que não tinha entendido. O sapateiro expôs o seu raciocínio: “A raiz do sofrimento está em amar como aquele mercador que contabiliza a entrada e a saída de mercadorias. Se oferecemos carinho, afeto e atenção, exigimos a contrapartida em retorno ou pagamento. Ou seja, somente nos permitimos amar quando nos sentimos amados de volta em igual intensidade. Não é assim”?

Sim, é assim mesmo, concordei. Loureiro deu de ombros e disse: “Destinatário errado”.

Falei que não tinha entendido. Ele explicou: “Quando agimos dessa maneira mostramos que estamos mais preocupados conosco do que com os outros. Essa atitude demonstra que amamos pelo que vamos receber em troca, sendo o outro um mero canal por onde retornará o amor que oferecemos. Isto não é amor, é egoísmo. É como se postássemos no correio uma carta para nós mesmos. Qual o sentido de escrever uma carta para si? O amor é um poema que redigimos ao vento sem a preocupação de assinar. Os gestos nascidos na pureza do coração são os melhores versos escritos sobre papel imperecível da vida. É a poesia que se coloca na garrafa lançada ao oceano na alegria de preencher a alma de quem a encontrar, sem qualquer outro interesse. O amor para ser amor tem que ter o compromisso com o descompromisso na reação do outro em lhe devolver a mesma moeda. O amor que você tem não é aquele que você recebe, mas tão somente o que você dá. O amor é uma estranha mercadoria que quanto mais você autoriza a saída, maior fica o seu estoque”.

Sustentei que amor é troca. Todos querem receber na exata medida do que dão. O artesão balançou a cabeça e disse: “Troca é comércio; amor é compartilhar a beleza e alegria da vida que pulsa em si. Sem pagamentos, taxas ou tributos de qualquer espécie. Como flores que plantamos na beira da estrada para enfeitar a vida de quem vem atrás, sem se preocupar se aproveitarão as suas cores e perfumes. Amar é oferecer a luz que nos habita para iluminar os porões escuros do mundo sem apresentar boleto de cobrança pelo serviço prestado. Ou não é amor. Esse entendimento é um passo importante para se libertar de qualquer dependência emocional ou afetiva e, por consequência, encerrar todo o sofrimento. Preste atenção e perceba que sofremos por ciúme, inveja, egoísmo e outros sentimentos menos nobres; nunca por amor”.

“Pense no sol que ilumina, aquece, renova e permite a vida sem nos cobrar nada de volta. Daí a sua grandeza e poder. Todo amor transcende em magnetismo, o que faz com que tudo e todos desejem orbitar sobre o centro gerador. Assim como o sol, quando nada se quer em troca, tudo se tem”. Deu uma pausa e complementou: “Essa é a estranha e fantástica equação da vida que teimamos em não entender. Então, sofremos”.

Falei que sempre tinha ouvido que amor era troca. Loureiro foi enfático: “Aprendeu errado. Caso queira estancar a dor precisa sair das classes do egoísmo e do ciúme para frequentar uma nova escola”.

Argumentei que ele tinha enlouquecido. Lembrei da maravilhosa sensação de se sentir amado. Ele arqueou os lábios em sorriso e disse: “Concordo com você, é muito bom e eu a desejo todos os dias. Entretanto, é exatamente nesse ponto que reside o perigo. Esse sentimento é bom e justo, apenas não pode virar objeto e objetivo do amor que se oferece, caso em que se torna uma atitude egoísta que tem por finalidade a si mesmo e não o outro. Então, deixa de ser amor e, por isto, sofremos. Há que se ter atenção para que o destinatário do amor não seja o próprio remetente, quando a carta perde o sentido e o amor se perde em si, deixando de existir”.

Pedi para que ele tornasse a encher a minha xícara com café. Toda aquela conversa estava por demais desconcertante e, confessei, eu tinha dificuldade em assimilar. Quando pensei que Loureiro fosse aliviar o meu desconforto intelectual, ele partiu para o ataque final: “Somente na infância da alma insistimos em pensar que somos o centro do mundo, que o universo gira em torno do nosso ego. Daí surgiu a palavra egoísmo. A consequência natural do egoísmo no amor é o ciúme, um sentimento tão forte que o confundimos com o próprio amor. O pior é que o ciúme está ligado à sensação de insegurança e conceitos ultrapassados de dominação”. Mais uma vez pedi para que o artesão explicasse melhor. Ele foi didático: “A ideia de que somos exclusivos e o centro do mundo nos leva a acreditar que temos direitos absurdos sobre tudo e todos. Usamos inadequadamente a palavra ‘compromisso’ em nossas relações para esconder os verdadeiros sentimentos que nos movem: ciúme e egoísmo. Nos tornamos dominadores por condicionamento e educação equivocadas. Ao nos envolver com alguém que nos traga alegria deixamos manifestar o medo da sua partida”. Deu uma pausa e comentou: “Como perder o que não se pode ter”? Em seguida disse: “Nos iludimos que a felicidade apenas será possível se tivermos sob controle tudo o que nos envolve e todas as pessoas que julgamos importantes para a nossa felicidade. É o berço das prisões. Domar gera dor, domar gente traz inevitável sofrimento. Sofremos em razão de outros sentimentos, bem menos nobres, e atribuímos ao amor uma culpa que não o pertence. Ninguém sofre por amor”.

“Esquecemos a lição do sol, cobramos por calor e luz, esvaziando a alegria de quem orbita ao nosso redor. Amor não é exigência ou compromisso.  O amor é o antídoto desse veneno; é liberdade e plenitude. Então, gera o magnetismo que a tudo atrai”.

Eu quis saber o que era necessário para estancar o sofrimento. Ele arqueou as sobrancelhas e disse sério: “Não raro, sentimos um vazio existencial que temos dificuldade de identificar a origem. Então, procuramos alguém que o possa preencher, transferindo para o outro a responsabilidade pela a nossa felicidade. Eis a fórmula perfeita do fracasso e da dor. Ao invés de trilharmos o caminho do autoconhecimento para curar as fraturas sentimentais que nos atrapalham de seguir em frente; ao invés de iluminarmos as próprias sombras que nos impedem de evoluir por atribuir a outros a causa das nossas insatisfações, preferimos a facilidade do atalho de encontrar alguém que solucione todo o descontentamento que sentimos. Em suma, nos iludimos que amar é ter alguém que nos faça feliz. Isto cria a estagnação, que por vez, nos torna pessoas aborrecidas; isto cria a dependência que constrói as prisões sem grades”.

“Que tal invertemos a equação? Assumir a responsabilidade absoluta pela própria felicidade é estar pronto para iniciar no Caminho. Aceitar de maneira honesta e corajosa o processo de conhecimento e posterior transformação sobre si mesmo é o primeiro passo. Livrar-se de fazer qualquer cobrança em relação aos outros e focar na responsabilidade de compartilhar as virtudes que frutificam em sua alma demostra evolução e solo fértil para que o amor floresça em seu coração. Isto traz leveza; é a liberdade do ser. Isto traz a paz; é a plenitude do ser”.

“Essa mudança, na verdade, é o rompimento da casca que nos impede de ser por inteiro e nega o amor em toda a sua dimensão. É preciso abdicar de fazer qualquer cobrança pelo simples fato de que ninguém nos deve nada. Se nos arvoramos em qualquer direito sobre o outro, tenha certeza que ali não existe amor. Se nos sentimos donos ou credores de alguém, pode acreditar que não é o amor a nos orientar. O amor se nega a dominação por ser libertário por essência. As cobranças perdem o sentido quando entendemos que nada mais são do que cartas que escrevemos para o destinatário errado”.

“A partir do instante que entendemos que somos responsáveis pela nossa felicidade e que ninguém nada nos deve, tudo que nos for entregue, ainda que pequeno, se torna um agradável presente. Nenhuma árvore oferece os frutos fora da estação. O amor exige paciência. O amor deixa brotar a compaixão para com as imperfeições alheias por ter a humildade em saber que não possui a perfeição para oferecer”.

“Somente quando aceitarmos que o destinatário do nosso amor não somos nós, mas os outros, sentiremos pulsar todo o poder e a força do amor. É o processo de amadurecimento das asas que permitirão o voo às Terras Altas. Não há outro”.

Ficamos um longo tempo sem dizer palavra. Quebrei o silêncio e, emocionado, disse que precisava ir. Eu estava atrasado para reescrever todas as minhas cartas, pois não queria mais adiar um importante encontro. Loureiro sorriu.

 

10 comments

Christina Mariz de Lyra Caravello agosto 22, 2016 at 2:03 am

Não entendo ainda como são os relacionamentos onde o amor existe de ambos os lados..
Como é esse amor..? Como se manifesta? Como deve proceder um casal que se ama e que quer se casar..? Como é essa convivência ? Mesmo que não exista nenhum tipo de cobrança e nem sempre existe, deve haver, contudo, a meu ver, a reciprocidade e a mesma intensidade de sentimentos que, subliminarmente, determinará regras de comportamentos mútuos.
Um casal que se ama verdadeiramente, leva um tipo de vida diferente do que um homem e uma mulher sem nenhum vinculo afetivo maior, sem nenhum compromisso.
No primeiro caso, a meu ver, é inadmissível, por exemplo , um deles resolver de repente fazer uma viagem de lazer com amigos, sem a mulher, por que ela não poderá faltar ao trabalho. Se existe amor entre eles, ele deve esperar uma data adequada para viajarem juntos, sem que tenha havido nenhuma cobrança da parte dela.
Uma vida a dois é muito diferente do que um relacionamento sem compromisso.
Uma vida a dois, se há realmente o amor, há transigência, com certeza, porque ambas as partes se amam e não querem sombras escurecendo seu caminhar a dois, ambos querem que o outro se sinta feliz.
Portanto, eu acho , que mesmo sabendo que ninguém é dono de ninguém, não vai gostar se seu companheiro (a)gosta de sair para fazer algum programa com amigos e amigas.
Se a pessoa sente falta dessa “liberdade” não deve, realmente, se casar.
O amor, é como uma planta. Deve ser regado sempre para que continue a florescer.
Nem sempre procuramos alguém para preencher um vazio existencial. Nos sentimos atraídos por essa pessoa, queremos estar juntos, nos encantamos com sua maneira de ser, E, a partir daí, esse sentimento vai crescendo, queremos viver com ele. É o início do processo amoroso. No amor não ´precisa haver troca de nada. Tem que haver sempre encantamento, de ambas as partes.

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Koishima agosto 22, 2016 at 2:16 pm

Christina.. Uma observação, com certeza, viver uma vida a dois é reciprocidade, é sintonia.. Porem, a liberdade está em aceitar a pessoa do jeito que ela é, com erros, acertos, defeitos e qualidades e mesmo assim você dar liberdade pra pessoa ser quem ela realmente é e ainda sim, ajuda-la a ser sempre melhor.. Isso é amor. Tira essa coisa de “não gosto do seu jeito/ do jeito como vc me trata/” Claro, pra viver uma vida em sociedade, é necessario saber conviver com as pessoas, pensando nelas e ajudando-as.. Viver no amor, é vc andar pelas ruas e não sentir medo de quem pode se aproximar, entendo que o mundo de hj as coisas são bem pesadas e andar com essa confinança está bem dificil, porem, é vc aceitar cada pessoa que passe por vc, como elas realmente sao.. Hoje, todo mundo quer que vc seja de um jeito, trate as pessoas de apenas um jeito.. O amor é uma coisa muito espontanea. não é uma coisa forçada, amor é algo natural, simples.. Sem essas amarras que nosso egoismo impoe. E com certeza, amar e ser amado é a melhor coisa do mundo, não existe remedio melhor que cure.. E essa sementinha, que eu plantei no coraçãozinha de minha amada, fiquei na incerteza de que se isso vai dar bons frutos, nos separamos e a saudade aperta. Porem, nas desavenças, entendi que a amo e eu sempre dei-a liberdade pra ser quem é.. porem sou eternamente grato por ter divido o amor comigo.. resta muitos sintomas em mim, esperança é algo que ainda está muito forte.. Agradeço pelo texto meu caro amigo, o amor sempre vai ser a unica revolução verdadeira, não é sonho ou dinheiro.. Ainda vamos demorar muito pra entender o real sentimento do amor, mas nunca desistir!!! Muito amor e axé, paz.

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Christina Mariz de Lyra Caravello agosto 23, 2016 at 12:22 am

Koishima, boa noite. Eu sou a Christina de quem você discordou. Acho muito boa essa polêmica porque nada é uma unanimidade,principalmente quando tratamos de comportamentos, de maneiras de pensar e de sentir. Já dizia um grande cronista, que não sei se é do seu tempo, Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.Da mesma forma que você diz que deve-se dar liberdade ao outro para ser como quiser ser, deve-se também dar liberdade de se pensar diferente. Somos seres humanos, cada qual com sua maneira de ser e pensar.
Sou viúva, fui casada 37 anos com a mesma pessoa…nunca nos proibimos de nada…fiz faculdade mais velha, trabalhei fora, ia a eventos com a familia e amigos e ele todos os sabados ia encontrar com seus amigos numa mesa de bar. Os exemplos que citei de o homem querer viajar sem a mulher, a meu ver é um forte indicativo de que o sentimento não é forte o suficiente…Quando existe verdadeiramente o amor,existe também o prazer de fazer certas coisas juntos, como uma viagem, p.ex.se o homem ou a mulher prefere sair ou se encontrar sempre com amigos, tem um sinal de fumaça a ser entendido.
“Ainda vamos demorar muito para entender o real significado do amor…”, você mesmo disse.
E eu também já tenho comentado outros textos onde confesso que ainda tenho um lado Terra bem forte, que ainda tenho que exercitar o desapego, apesar de ter vivido 37 anos com apenas meu marido…talvez por ser de uma geração onde haviam valores bem trabalhados e aceitos.
Foi um prazer ser contestada, provoca indagações muito valiosas.

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Filippe agosto 23, 2016 at 10:02 am

Christina,

Vejo um pouco diferente.. O amor a que Yoskhaz se refere no texto, é o amor universal, o desejo de que todos os seres sejam felizes. Se o cônjuge de alguém, por exemplo, deseja tirar um tempo para si (e fazer uma viagem sozinho ou um retiro), não seria isso uma oportunidade do marido/mulher apoiá-lo nesse caminho que ele acredita que vai trazer mais felicidade para si?

O amor genuíno (aquele do texto, sem marcas de egocentrismo) não necessariamente está junto (fisicamente) do outro o tempo inteiro, mas nem por isso ama menos. Já o amor romântico (aquele que contém marcas de ciúmes, possessividade e egoísmo) expressa uma profunda necessidade de estar junto o tempo inteiro, de querer fazer tudo com a outra pessoa, de não deixar a outra pessoa optar pelo que ela quer fazer e de não deixar a outra pessoa conversar e viver uma vida com seus amigos.

Isso estou falando em termos muito categorizados, claro que na vida não funciona desse jeito. Temos nossas imperfeições e, a maioria de nós, ainda possui muito egocentrismo. Dessa forma, precisamos (assim como a sociedade também se organiza em torno disso) de nomes como: marido, mulher, namorado e namorada para determinar um vínculo de compromisso. Não tem problema nenhum nos rotularmos assim, isso é só uma aparência. Precisamos ver a sutileza por trás daquilo… Nesse espaço de sutileza, devemos cultivar a equanimidade, amor, alegria, compaixão, leveza, sabedoria em todos os nossos relacionamentos.

Isso é entender que por trás de um marido também há um ser humano, um amigo, um filho, um irmão, um trabalhador… Nós somos a liberdade que pode manifestar todas essas identidades, mas quando prendemos alguém em: “ele é meu marido”, nós perdemos de vista essa liberdade, perdendo, portanto, também, a sabedoria de lidar com esse relacionamento.

Por isso, nesse amor genuíno, não há cobranças, ciúmes, posse. Pois ele enxerga a liberdade por de trás de todas as aparências, enxerga o ser humano que existe por trás de todo marido, amigo,…

Continuamos chamando nossos cônjuges de marido, mulher, namorado e namorada. Porém, em um âmbito sutil, reconhecemos a liberdade dele(a) poder ser inúmeras identidades e não cobramos que ele(a) aja da forma com que a gente espera que ela vai agir. Quando esperamos algo, congelamos essa pessoa na nossa cabeça, retirando a liberdade dela se manifestar da forma com que ela sinta que vai trazer mais felicidade para ela.

Grande abraço!

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Christina Mariz de Lyra Caravello agosto 23, 2016 at 5:11 pm

Filippe, boa tarde, achei interessante sua abordagem. Concordo em termos. De uma certa forma, quando se questiona rotular alguém “quando prendemos alguém em: “ele é meu marido”, nós perdemos de vista essa liberdade, perdendo, portanto, também, a sabedoria de lidar com esse relacionamento” , já se está também, discriminando esse relacionamento.
Sou viúva, fui casada por 37 anos com o mesmo homem, sem nenhum tipo de desvio. Sempre fui, desde cedo, muito livre em minhas posições, em meus pensamentos. Nós vivemos esses trinta e sete anos, que não foram iguais, é claro, com muito companheirismo, muita transigência, muita compaixão. E ele era apresentado como meu marido. E esse nome, como o de minha mulher, não era cercado de grades. A gente era cúmplice (o amor deve ser cúmplice), a gente era amigo ( o amor deve ser amigo) a gente chorava, a gente ria, a gente brigava, a gente fazia as pazes, a gente se afastava, a gente retornava, enfim, a gente era humano, e o amor estava contido em tudo que sentíamos, sem cobranças, a morada de nosso amor, éramos nós, onde estivéssemos.
E devo também dizer, que nem tudo foram flores e se havia flores, os espinhos as vezes eram mais abundantes, nos feriam…. mas sempre houve recomeços, muitos, até o fim, com a morte dele.
Nunca deixamos de fazer nada . Me formei mais velha, fui trabalhar fora e ele nunca deixou de participar dos encontros semanais com os amigos de bar em Ipanema.
Mas valorizávamos e muito nossos momentos juntos. Gostávamos de estar juntos.
Não sei se em nome desse amor de hoje em dia, amor livre (não é também um rótulo?) haverá muito futuro, haverá lembranças prazerosas a serem transmitidas porque nunca se sabe quanto vai durar, dá a impressão de que tudo é mais superficial, mais líquido, segundo o filósofo (Bauman?), quem sabe surge um novo “amor” virando a esquina?
“Isso estou falando em termos muito categorizados, claro que na vida não funciona desse jeito. Temos nossas imperfeições e, a maioria de nós, ainda possui muito egocentrismo.”
Também concordo que “o amor a que Yoskhaz se refere no texto, é o amor universal, o desejo de que todos os seres sejam felizes. ”
Mas sei que tenho muito que aprender e exercitar, principalmente o desapego, ´porque sei que sou ciumenta e, embora muitas vezes não possa demonstrar, eu sinto, e tenho que trabalhar isso em mim, de dentro para fora, como tudo na vida.
Bem, Filippe, sempre há muitas maneiras de se analisar um assunto. Um link leva a outro.
Mas, de uma certa forma, no final, sempre desejamos encontrar um caminho que nos leve ao lado ensolarado do verdadeiro Caminho.
Foi um prazer. Um abraço.

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Emilio Vargas agosto 23, 2016 at 10:03 pm

Parabéns para o debate realizado por Christina Mariz de Lyra Caravello, Filippe e Koishima.
isso nos ajuda a refletir mais.

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Gabriel S. Venturini agosto 24, 2016 at 8:55 pm

Parabéns por mais um belo texto, onde vi muita proximidade na descrição do amor, que é o sentimento que impulsiona a vida. Acho interessante frisar nesse texto que ficou nas entrelinhas, mas primeiro temos que ser amo para doa-lo, o sol doa sua energia por ter ela em abundância. Penso que o primeiro verdadeiro amor, que mais se aproxima do transcendental é sempre por si mesmo, pois a partir que temos ele dentro de nós podemos doa-lo de forma responsável.

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Douglas Dust agosto 25, 2016 at 9:23 am

Amor: doar sua melhor parte sem esperar receber algo, a ganância aqui é um perigoso pecado

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Josmar setembro 20, 2016 at 2:54 pm

Rompendo a casca hoje

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Natalia setembro 25, 2016 at 5:49 pm

E o que é compromisso? Como ser comprometido e livre ao mesmo tempo?

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