MANUSCRITOS VII

A amplitude do perdão

A xícara com o chá de camomila e erva-cidreira estava sob a mesa de cabeceira. Eu me preparava para iniciar a meditação, como faço quase todas as noites antes de dormir, quando ouço batidas na porta do meu quarto no mosteiro. Era Bella, um das monjas da Ordem. Estava mal. Muito mal. As suas feições a denunciavam. Havia pouco mais de dois anos, ela havia passado por um divórcio doloroso. Traição era a palavra usada por Bella para sintetizar a separação. No último período de estudos, ela chegara destruída emocionalmente. Segundo contara à época, marido não apenas decidira morar com outra mulher, com quem já se relacionava desde antes do casamento sem que ela soubesse, mas criara várias dificuldades financeiras, desde ocultar alguns bens do casal até desviar outros tantos antes de revelar a sua decisão de ir embora. Como sempre confiara nele, nunca desconfiou que algo semelhante pudesse acontecer. Tinha sido amparada por todos no mosteiro na ocasião. Quando retornara para aquele novo ciclo de aprendizados, se mostrara refeita. Disse ter perdoado Frank, o ex-marido; falou ter cicatrizado as feridas. Recuperara o sorriso e a beleza. Alegrei-me por vê-la tão bem, havia alguns dias. No entanto, outra Bella estava à porta do meu quarto. A verdadeira Bella. Tudo mais era mera maquiagem. Não me refiro aos cosméticos, mas aos personagens aparentemente fortes e equilibrados, os quais acreditaremos nos tornar se insistirmos em os interpretar. Mentiras jamais se tornam verdades pelo fato de a repetirmos infinitamente. Somos capazes de nos iludir por muito tempo, mas nunca enganaremos a própria alma nem mesmo por um mísero segundo. Quando teimamos, ficar de pé dependerá da capacidade de cada pessoa em resistir ao sofrimento; sem importar o quanto consegue suportar, nunca será uma boa ideia se acostumar com a agonia de viver com a alma sufocada. Todo sofrimento possui mecanismos de desarme. Faz-se necessário aprender a usar cada um deles.

Não era momento para chás; cafés se mostravam mais adequados à ocasião. Descemos à cantina. Para nossa surpresa, o Velho, como carinhosamente chamávamos o monge mais antigo da Ordem, estava sentado à uma das mesas próximas às janelas. O brilho tênue da lua minguante permitia apreciar o contorno das montanhas ao longe. Ele sorriu ao nos ver. Com o queixo apontou para o bule com café fresco que acabara de fazer. Parecia nos esperar. Enchemos duas canecas e nos sentamos ao seu lado. Fez um aceno com a cabeça para que a Bella começasse a falar. A monja disse estar cansada de contar a mesma história para tanta gente, a ponto de ela própria se achar chata. O Velho ponderou: “Você precisa falar. Não que desconheçamos os fatos, porém, na tentativa de que em algum momento você consiga se ouvir. Não meramente as palavras faladas, mas as mensagens subliminares da sua alma, que nesse momento clama por ajuda”. Ela jurou que chegou acreditar que tudo estava resolvido dentro de si. Mas ao saber naquela noite, através das redes sociais, que o Frank se tornara pai, todas as soluções e explicações que estruturara para ficar bem, desabara como se destruída por um abalo sísmico implacável. Não conseguia entender a razão de a notícia a atormentar daquela maneira. Falei que ela precisava perdoar o ex-marido. Ela discordou. Falou que já o perdoara. Nem mesmo esperava mais que algum dia o Frank a ressarcisse dos prejuízos que causara por se apropriar indevidamente de bens que a pertenciam. Embora não fosse rica, tinha um ótimo salário e gozava de prestígio profissional. Sem demora estaria reconstruída financeiramente; o ex-marido havia aberto da mão da dignidade, tendo um caminho bem mais complicado à frente. O mal pertence a quem dele faz uso, assim como o bem permanece com aquele que o pratica com amor. Lembrou de outro importante aprendizado: se fizermos dos acontecimentos desagradáveis uma escola sempre em funcionamento, o passado jamais se tornará uma prisão. Ela havia utilizado os ensinamentos aprendidos no mosteiro; chegou a acreditar que tivesse cicatrizado as feridas, mas naquele momento entendia ainda estar no ponto de partida.

O Velho bebeu um gole de café e argumentou: “Você não está no ponto de partida como alega. Ao contrário, já caminhou bastante. Está perto de se reerguer financeiramente, como disse, porém, ainda sem saber como reconstruir emocionalmente”. Ela contou estar namorando outra pessoa. Hermes, como se chamava, era um homem gentil, atencioso e alegre. Estava feliz ao seu lado. Isto a confundia ainda mais; não compreendia como tornara a se sentir transtornada com um fato na vida de alguém que não mais fazia parte dos seus dias. Voltei a falar que ela precisava perdoar o ex-marido. Bella repetiu já o ter perdoado. Insisti que o perdão ao Frank ainda não tinha acontecido. O bom monge discordou de mim: “A Bella o perdoou. Existe sinceridade em suas palavras. Ela não o quer mais de volta, tampouco aguarda por qualquer ressarcimento. Entende o tamanho dele, as suas fraquezas e incapacidades. Compreende que Frank não fez melhor porque não conseguiu. Isto não o exime dos erros, mas traz o entendimento que não se pode exigir algo que ele nunca teve para dar. Cada pessoa entrega no limite das suas possibilidades; qualquer gota a mais não lhe será possível. Essa compreensão é a base da compaixão, uma virtude que serve para estruturar outra, bem mais ampla e profunda, o perdão”. Olhou para a monja com doçura e vaticinou: “Você se libertou do Frank quando o perdoou. O primeiro grande passo foi dado”. Ansiosa, ela indagou sobre o que faltava ou qual seria o próximo passo: “Libertar-se de si mesmo”.

Bella disse não compreender. O Velho explicou: “Você já o perdoou, mas ainda se culpa por ter confiado em quem não a merecia, por ter se negado ou não ter conseguido ver que ele a enganava; desde o início, todos os sinais estavam lá; saber disto causa esse sofrimento. No entanto, o desejo de viver uma linda história ao lado do marido fechou os seus olhos para os perigos que se avizinhavam”. Fez uma pausa antes de concluir: “Falta você se perdoar”. Foi a vez de Bella discordar. Não tinha feito qualquer mal ao Frank; logo, não havia o que perdoar em si mesma”. O bom monge a corrigiu: “Perdoar-se, ao contrário do que parece, nem sempre é a conquista mais fácil nem a mais simples, principalmente quando não fomos nós que causamos danos aos outros”.

O Velho prosseguiu: “O Frank é assunto superado. Concordamos que ninguém escapa das leis maiores, entre elas, a inexorabilidade das consequências cujas causas cada um atrai para si. Sem exceção, em algum momento, todas as pessoas terão de lidar com os seus próprios feitos. Nenhum lamento é cabível. Tampouco a você, Bella”. Desconfortável, a monja se remexeu na cadeira. O bom monge continuou: “Se toda dificuldade é uma oportunidade evolutiva, se faz necessário extrair o aprendizado oferecido por cada experiência”. Bebeu mais um gole de café e pontuou: “O movimento primordial foi realizado. Você consolidou a perda rapidamente, ou seja, aceitou o fim do matrimônio, dissolveu os danos afetivos, já se relaciona com o Hermes, assim como absorveu os prejuízos patrimoniais. Quanto mais tempo demoramos para realizar a perda, mais esgarçamos o sofrimento. Embora tenha sofrido perdas, manteve intacta a sua luz ao se negar a revidar com atitudes do mesmo quilate, não se deixando arrastar pela escuridão dos atos de Frank. Em outras palavras, ofereceu a outra face. Percebe-se um adiantado estágio de desenvolvimento espiritual. Para que a maturidade se complete, se faz necessário entender o motivo pelo qual um acontecimento na vida de quem nada mais representa, causou tanto estrago a ponto de parecer que nenhum avanço foi conquistado”.

Bella passou as mãos pelos lindos e longos cabelos castanhos, demonstrando traços de aflição por ainda não entender onde o raciocínio do Velho a levaria. Tanto eu como ela argumentamos que ex-marido nos parecia ser o cerne da questão. O bom monge maneou a cabeça e explicou: “Ninguém é o problema da vida de ninguém. Cada qual é a fonte das próprias dificuldades; logo, responsável pelo céu ou inferno em que vive. Essa verdade simples oferece algo de maravilhoso ao recolocar nas mãos de cada pessoa o poder de solucionar a própria vida”. Constrangida, ela contou que soubera que a empresa de Frank enfrentava muitas dificuldades; nos últimos meses apresentara grandes prejuízos. Confessou ter sentido um pouquinho de prazer com a notícia. Em parte, se sentia vingada. De outra parte, admitiu se sentir envergonhada com os próprios sentimentos. O Velho a corrigiu: “Embora a vingança se manifeste não apenas em atos, mas também em desejos, o que você sentiu pode ter outro significado”. Em seguida, explicou: “A compaixão, a virtude de compreender amorosamente as dificuldades alheias, ou mesmo o perdão, não nos exime do sentimento de justiça, a atuação cósmica equilibradora de todas as relações. As experiências vivenciadas são excelentes métodos utilizados pela vida para moldar o caráter e expandir o amor em todas as pessoas. Desejar que o malfeitor seja feliz com o produto do furto funcionaria como a validação do mal e um estímulo à desonestidade; um absurdo contrassenso em total desacordo com os ditames da luz. Uma falta de respeito consigo mesmo. E uma tremenda ingenuidade!”. Arqueou as sobrancelhas e alertou: “Devemos agir sempre com pureza, jamais com ingenuidade”. Bella quis saber qual era a diferença. O Velho explicou: “A pureza exige o necessário conhecimento sobre o mal e completa abdicação do seu uso, mesmo quando apresente vantagens aparentes; trata-se uma prova dificílima que poucos conseguem ultrapassar. De outro lado, a ingenuidade é o desconhecimento do mal ou a pouca importância que se atribui aos seus efeitos, tornando os envolvidos presas fáceis para as constantes armadilhas e a perpetuação da maldade”.

Ele seguiu com a explicação: “Cada pessoa experimentará a exata situação na perfeita necessidade do seu aprendizado. Herdamos as consequências das nossas escolhas. Ainda que a longo prazo, isto faz da vida uma forja de mestres, na qual o fogo dos acontecimentos se torna necessário para moldar os espíritos que teimam na rigidez do atraso e dos vícios sombrios na falsa crença de um poder ou de uma superioridade inexistentes”. Franziu as sobrancelhas e disse: “Sossegar-se na certeza da justiça cósmica é diferente de desejar a vingança”. A monja quis saber como discernir um sentimento do outro. O bom monge explicou: “O justo quer o aprendizado enquanto o vingador anseia pelo sofrimento daquele que o prejudicou. Na justiça há amor e sabedoria. Na vingança restará apenas dor para ambos os lados”.

Com os olhos marejados, Bella disse nunca ter desejado mal ao Frank, mas que, sim, desejava que ele, mesmo que nunca se desculpasse pessoalmente com ela, reconhecesse o mal que provocou, se redimindo através do próprio comportamento em suas relações futuras, tendo por base o aprendizado final daquela experiência. O Velho balançou a cabeça em anuência e afirmou: “Isso é justiça. Não há razão para se envergonhar por causa desse sentimento”.

O bom monge lembrou: “Nunca confunda os justiceiros com os justos. Os justiceiros se arvoram em donos da verdade e promovem julgamentos dentro dos limites estreitos e rasos das próprias consciências, aprisionando algozes e vítimas em prolongadas sentenças cármicas. O justos, por serem puros, se negam ao uso do mal e se mantêm em seus eixos de luz, libertando-se definitivamente dos danos sofridos ao confiar na atuação sábia da justiça cósmica. A liberdade é uma ato pessoal e independente; portanto não precisa ficar à espera de nada nem de ninguém para se realizar; basta entendimento e atitude para consigo mesmo. Nada mais”.

Depois alertou: “Ao confiar na aplicação da justiça cósmica, não podemos esquecer que somos ou fomos parte do processo. Portanto, ela também irá nos alcançar na medida que nos couber”. Bebeu um gole longo de café e disse: “O Frank só conseguiu causar tantos danos porque você permitiu. Nada acontece de uma hora para outra. Refiro-me tanto às questões afetivas como ao prejuízo financeiro. Ao se negar a enfrentar as evidências, foi derrubada pela verdade que se apresentava diante dos olhos que você preferia manter fechados”. Voltei a interromper, desta feita para dizer que Bella tinha fugido dela mesma ao se negar a enxergar a verdade. O Velho se virou para mim e me corrigiu mais uma vez: “Fugir seria encontrar um subterfúgio para mascarar a verdade. O que houve foi conveniência. Era preferível se acomodar aos movimentos escusos do marido a ter de lidar com o rompimento do matrimônio… que veio de maneira ainda mais avassaladora. A vida não deixa ninguém se sentir confortável no lugar errado. Assim é a verdade quando a negamos ou a mentira quando a aceitamos; a justiça se vale do caos para destruir as estruturas deterioradas e ultrapassadas de nossas existências”. Virou-se para Bella e disse: “Contigo não foi diferente”.

Atônita, ela disse não o compreender por completo. O Velho esclareceu: “Essa é a pedra angular da transformação que a conduzirá à libertação somente permitida pelo perdão. Embora já tenha perdoado o Frank – e isto não o eximirá das contas que terá de prestar à própria consciência – se faz necessário que você também aprenda com os seus erros. A justiça sagrada é uma professora implacável. Enquanto recusar o aprendizado oferecido nessa experiência, você jamais conseguirá se perdoar e, pior, se manterá atrelada aos acontecimentos da vida do Frank. Seu ânimo e humor dependerão das reações e situações cotidianas de quem lhe causou danos; um triste comportamento que erguerá as paredes da prisão na qual você passará a morar. Este mal é de sua responsabilidade, não foi o Frank quem provocou. Trata-se do fruto da sua incapacidade de lidar, não apenas com as próprias emoções, mas também com os movimentos da vida, que possuem sabedoria, ritmo e metodologia nem sempre de alcance fácil à nossa compreensão”.

Bella disse que tinha que ficar mais esperta, sem confiar tanto nos outros. O Velho se virou para mim e disse: “Essa resposta é uma fuga. Entende agora a diferença entre fuga e conveniência?”. Encabulada, foi a própria monja que disse compreender o que até então desconhecia. Fugir é negar a verdade; conveniência é acreditar que pode se viver confortavelmente com a mentira. Acomodar-se a uma mentira nunca fará dela uma verdade. O bom monge tratou de fazer outros ajustes necessários: “Nenhum relacionamento será saudável sem que haja confiança. Caráter é requisito indispensável sem o qual o amor resseca como uma flor que murcha por falta vitalidade. Você acreditou que conseguiria conviver com Frank mesmo quando percebeu pequenos deslizes de caráter. Negou-se aos sinais; tapou os ouvidos e fechou os olhos para tudo que a alma falava e mostrava. Contudo, se faz fundamental confiar em si mesmo; aprenda a confiar na sua alma”. Bebeu um gole de café e continuou: “A vontade para que a relação fosse próspera não pode sucumbir ao medo de fazer as indispensáveis correções, mesmo sob o risco de o relacionamento chegar ao fim e você ter de recomeçar sozinha. Ninguém está sozinho quando vive bem tendo-se como a melhor companhia. Aquele que não entende isto, dificilmente será pleno ao lado de alguém, seja pela incapacidade que atribui a si mesmo, seja pelo fardo indevido da felicidade que coloca nos ombros do companheiro que, em algum momento e por justo motivo, se recusará ou cansará de carregar”.

O Velho retornou ao cerne da questão: “O Frank foi perdoado. Falta você se perdoar para se libertar não apenas dos fatos vividos, mas também de si mesma”. Bella argumentou que não havia do que se perdoar, pois não tinha causado nenhum dano ao ex-marido. O bom monge concordou em parte: “Você tem razão quando diz que não fez nenhum mal a ele. Contudo, se pune por ter se deixado enganar quando havia todos os elementos necessários para impedir os prejuízos afetivos e financeiros que sofreu. Você não se perdoa por isso. Entenda que não existe erro em confiar nas pessoas. O erro consiste em não se fazer merecedor dessa confiança; uma dívida existencial cabível ao Frank, não a você; tenha cuidado para não inverter a polaridade das partes envolvidas no processo. Quando você fechou os olhos e tapou os ouvidos preferindo acreditar que mais à frente tudo se ajustaria, tinha direito a isto. Não funcionou, mas não existe nenhum motivo para se punir por essa escolha. Ser enganada ou se enganar não merece punição; trata-se somente de uma tentativa infrutífera; um risco assumido. Nada mais. Use as experiências sempre como livro, nunca como chicote”.

As lágrimas banhavam o rosto da monja. Ela contou que sofrera muito em relacionamentos anteriores ao Frank. Como não queria mais lidar com separações e recomeços, decidira que não negaria esforços para que permanecessem juntos, apesar dos equívocos e dificuldades, e sem importar o custo. As suas amigas estavam casadas, tinham se tornado mães e apenas ela parecia viver relações erráticas. O Velho a lembrou: “Casamentos podem nos levar tanto ao céu como ao inferno, a depender de diversos fatores. Assim como viver sozinho não caracteriza uma existência triste ou de abandono, tampouco será garantia de dias alegres. Padrões e condicionamentos sociais constroem preconceitos perigosos por restringir todas as possibilidades, reduzindo escolhas e afunilando a felicidade. Somos menos quando poderíamos ser mais. Cada pessoa tem o direito de inventar um modelo singular de ser e de viver de acordo com os seus dons e sonhos”.

A monja confessou que a notícia do nascimento do filho do Frank a abalara sobremaneira. Sentiu como se ela estivesse sendo punida apesar do mal ter sido praticado por ele; embora tivesse consolidado a perda, tinha a sensação de que os prejuízos não cessaram. O Velho fez nova correção: “Não cessaram porque, apesar de consolidar a perda dos atos praticados pelo Frank, ainda não encerrou a punição que impôs a si mesma por ter se enganado. Você insiste em relacionar os fatos posteriores da vida do Frank à sua felicidade. O último elo ainda não se rompeu. Está na hora de colocar o casamento no passado, lugar onde precisava estar guardado desde a separação. Pare de se punir. Embora tenha sido ingênua, você agiu com toda a pureza cabível. Chega de encobrir a própria luz. Você não praticou nenhum mal a ninguém; nem mesmo a você. Houve apenas uma tentativa frustrada para que as coisas dessem certo. A vida precisa dos riscos para manifestar todas as suas mil possibilidades. Jamais deixe de acreditar, nunca abdique da alegria de encontrar a beleza existente em todas as situações. Não raro, a alegria se esconde por trás do aprendizado. Perdoe-se! Confie, a vida entrega a cada um a sua exata medida. A caixa na qual você se colocou é menor que você. Liberte-se!”.

Bella escondeu o rosto com as mãos por um tempo que não sei precisar. Fiquei apreensivo. Para minha surpresa, do pranto se fez o riso; ao retirar as mãos, ela estampava um lindo e sincero sorriso. Sim, tudo se tornara claro para a monja naquele momento. O perdão não é estático; ao contrário, possui dinamismo e camadas de amplitude. Ela tinha feito os corretos movimentos iniciais da separação ao consolidar as perdas e olhar o Frank com compaixão, conseguindo o perdoar. Faltavam os movimentos finais de cessar sobre si as cobranças indevidas ao aceitar que nada há de errado em confiar; descontruir os ineficientes padrões de felicidade que a limitava, criando um modelo ao seu gosto; sossegar-se e aproveitar os métodos pedagógicos oferecidos pela vida; e colocar o casamento definitivamente nas prateleiras do passado. Ao se perdoar, estaria livre para seguir em frente. Afirmou estar pronta para isso. Havia firmeza, honestidade e determinação na sua voz.

Amanhecia no mosteiro. Alguns monges chegavam para o desjejum. Bella agradeceu aquela conversa. Tinha nas mãos todas as ferramentas necessárias para recomeçar. Sempre as teve, mas nunca se dera conta de como as usar para desmontar as suas dores emocionais. Cada sofrimento possui um mecanismo capaz de o desarmar para sempre. Ela deu um beijo estalado na bochecha do Velho e se foi. Alegre, os seus pés pareciam nem tocar no chão.

5 comments

MARCELO SBRANA julho 29, 2023 at 9:39 pm

Pureza e ingenuidade. Justiça e vingança. Fuga e conveniência. Que definições preciosas para nossa reflexão. Aliás, como sempre. Grato!

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Cris julho 31, 2023 at 10:53 pm

Texto incrível!
De muita ajuda e clareza!
A pior mentira é a que contamos para nós mesmos!
A verdade sempre aparecerá, pois ela tem vergonha de ficar escondida…
O maior perdão é pra nós mesmos. Quando conseguimos chegar nele, crescemos!
“ A vida precisa dos riscos para manifestar todas as suas mil possibilidades”

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Sheylla agosto 15, 2023 at 10:50 pm

Texto maravilhoso, como sempre!

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Rhodolfo Diniz setembro 13, 2023 at 3:53 pm

Gratidão! 🙏🙏

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Márcia Campos dezembro 21, 2023 at 12:30 am

Gratidão
Veio em momento oportuno 💕🌷

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