MANUSCRITOS I

A luz da verdade.

Eu andava amuado pelos cantos do mosteiro. Evitava tarefas que precisasse conversar com os outros discípulos ou monges. Tudo me irritava. Ao perceber o meu estranhamento, o Velho, como carinhosamente chamávamos o monge mais antigo da Ordem, me convidou para um passeio no jardim. Enquanto ele puxava conversa, eu insistia em respostas monossilábicas, a demostrar todo o meu mau humor. Em certo momento, o Velho falou: “Quanto mais iluminado é um espírito, mais bem-humorado é o seu comportamento. As Esferas Superiores, independente da forma como você as conceba, são revestidas em ambiente alegre. Ao contrário do que muitos intelectuais imaginam, não existe sabedoria na irritação e na impaciência. A verdade é libertadora, assim se torna fonte de infinita alegria e paz”. Neste instante eu parei de andar, olhei para o monge e lhe disse que essa era a questão do meu desânimo em relação à humanidade, pois a verdade de uma pessoa não era necessariamente a verdade da outra. Logo, eu não previa um final feliz para o mundo. O Velho sentou em um banco de madeira, como quem não tem pressa, antes de falar com sua voz suave: “A verdade é aparentemente instável, pois a consciência das pessoas está em constante evolução e diferentes níveis”. Interrompi sob a alegação de que ali estava o motivo de eternos conflitos. “Não”, rebateu o monge. “Exatamente neste ponto reside a Inteligência Cósmica. Ao impor a convivência entre aqueles que se encontram em distintos momentos evolutivos, permite que uns ensinem a outros. Ela nos torna alunos e professores em incessantes lições. Temos a oportunidade de vivenciar a beleza de compartilharmos amor e sabedoria através da convivência. Na medida que o entendimento se amplia, as pessoas, cada qual em seu momento, começam a perceber a importância de bens imateriais em detrimento às riquezas aparentes; a valorização de sentimentos mais sublimes ao invés das emoções mais sensoriais. Aos poucos o amor mostra a sua grandeza diante do ódio; o perdão liberta da mágoa. Somente na beleza da transformação individual será possível modificar e alinhar o planeta”.

Disse-lhe da minha agonia ao ver o mundo envolvido em tanta iniquidade e lutas insensatas por orgulho e vaidade. Em seguida enumerei diversas passagens aflitivas da atualidade. O monge ouviu as minhas queixas com enorme paciência até que eu me cansasse de falar. Depois falou: “O mundo está exatamente do jeito que deve estar, pois sempre vai refletir o exato grau de evolução intelectual, emocional e espiritual dos seus habitantes. Elefantes não voam”.

Lembrei do Dumbo, o personagem da fábula cinematográfica do genial Walt Disney e não perdi a piada. O Velho não se fez de rogado, riu bastante e disse: “É verdade. Mas se você prestar atenção, aquele jovem elefantinho, era repleto de bons sentimentos, bem acima da encontrada em sua espécie. Em um exercício absurdo de imaginação, poderíamos crer que seu grau elevado de evolução fez a diferença entre os seus, causa da transformação de orelhas em asas. Penso que conosco é igual, a percepção da verdade aperfeiçoa nossos sentimentos a permitir voos cada vez mais altos”.

Insisti que a minha dúvida persistia sobre qual era a definitiva e libertadora verdade. O Velho arqueou os lábios em leve sorriso e disse: “Já prestou atenção que as suas verdades de alguns anos atrás já não são necessariamente as mesmas? Sabe por quê? Pelo simples fato de você não ser mais o mesmo. As verdades se ampliam na exata medida na nossa evolução. Na proporção em que as verdades são decodificadas pelo consciente, enviadas e encaixadas definitivamente nas prateleiras dos sentimentos para uso interno, externo e eterno, ocorre transformações no seu ser, pois o saber se incorpora ao sentir. Coração e mente no mesmo diapasão, como músicos de uma afinada orquestra.”.

“A verdade final reside em viver o amor sem limites. Isto é libertador, mas ainda difícil de entender e aceitar em nosso momento evolutivo. Já percebemos, mas ainda temos dificuldade em vivenciar a mais valiosa energia que existe no universo em sua forma incondicional. A sabedoria de entender que a grande batalha é travada dentro de nós, torna o incessante exercício de iluminar as próprias sombras um decisivo passo na busca da verdade. Todos conhecemos o amor e sabemos da sua importância como fonte de Luz, entretanto, ainda não conseguimos experimentá-lo em sua completa magnitude. Infelizmente ainda desperdiçamos a sua força. Uma pena, pois o amor é a matéria-prima essencial aos milagres, que nada mais são do que as transformações ocultas em nós”. Deu uma pequena pausa, sorriu com os olhos e finalizou: “Quanto mais amor, maior o poder. Esta é a verdade em toda a sua amplitude e simplicidade”.

 

1 comment

Czochra setembro 11, 2016 at 7:57 pm

As verdades se ampliam na exata medida na nossa evolução. Na proporção em que as verdades são decodificadas pelo consciente, enviadas e encaixadas definitivamente nas prateleiras dos sentimentos para uso interno, externo e eterno, ocorre transformações no seu ser, pois o saber se incorpora ao sentir. Coração e mente no mesmo diapasão, como músicos de uma afinada orquestra.”
Refletindo sobre a verdade e seu grau de evolução …compreendo que ela esta atrelada ao amor… este que nos livra das armaduras do ego e nos tras de volta a harmonia universal.
Percebo também que a verdade esta interligada com os ciclos e quando termina um e para começar o outro sem sofrimento e preciso que o amago tenha vivenciado e sentido a presença deste amor supremo e incondicional.

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