MANUSCRITOS VI

Um segredo revelado

A vida é desafiadora. Você quer viver em paz, sossegado, longe de conflitos e confusões, mas parece impossível. Como se fosse uma implacável caçadora, a vida vai à sua procura para lhe provocar. Em síntese, foi isso que eu disse para Canção Estrelada, o xamã que tinha o dom de perpetuar a filosofia ancestral do seu povo através das histórias e das músicas. Assim eu justificara a minha chegada à Sedona algumas semanas antes da data inicialmente prevista. Uma avalanche de aporrinhações me fizera antecipar a viagem. Eu precisava de quietude para resgatar a serenidade perdida. Alguns dias nas montanhas do Arizona, longe do burburinho do Rio de Janeiro, dos problemas profissionais e da inevitável aspereza do convívio com as pessoas que costumamos lidar no dia a dia, me pareciam proporcionar a fórmula exata de descanso, reequilíbrio e regeneração que eu tanto necessitava. Enquanto me escutava sem dizer palavra, o xamã acendia o seu indefectível cachimbo com fornilho de pedra vermelha, embalado no vai e vem ritmado da cadeira de balanço. Da varanda da casa, podíamos contemplar a riqueza das cores oferecidas pelo sol poente. Depois, ele baforou o cachimbo algumas vezes e pareceu se divertir com a dança da fumaça. Desconfiei que não estivesse prestando atenção às queixas que eu fazia quanto a essa mania de a vida me perseguir com tantos conflitos. Ao final, quando acrescentei que precisava me esconder para que a vida me esquecesse das suas confusões, Canção Estrelada me avisou: “Uma viagem perdida”. Falei que não tinha entendido. Ele disse algo que eu já havia escutado: “Não há como escapar dos problemas mudando de lugar. Somos a nossa própria bagagem”. Baforou mais uma vez e murmurou em tom profético: “Inexoravelmente”. 

Falei que ele estava errado. Aleguei o quanto eu já tinha mudado. Comportamentos de outrora não cabiam mais em mim. Houvera grandes mudanças. Ponderei que talvez fosse um carma desta existência o fato de eu ter me tornado uma espécie de catalizador de problemas. Eu precisava me acostumar a isto. O xamã esclareceu: “Todas as situações que se repetem em nossos dias, acontecem por um único motivo. Aprendizado. Enquanto não se aprender a lição embutida na sequência de fatos, que se apresentam com inúmeras roupagens, mas trazem um mesmo conteúdo transformador, uma determinada espécie de situações continuará se repetir. Em síntese, carma é aprendizado. Significa que a vida não desistirá da sua evolução. Aprenda a lição para extinguir o carma. Então, um portal se abrirá para uma nova fase existencial. Enquanto se recusar a aceitar que o sentido da vida é a evolução, você ficará retido na estrada do tempo”.

Depois, acrescentou: “Primeiro, a vida lhe oferece as ferramentas adequadas. Depois ensina o manejo delas. Então, entrega a matéria-prima para execução da obra: os problemas. A evolução pessoal é parte essencial da perfeição universal. É natural que de início apresentemos a dificuldade dos aprendizes. Temos dificuldade para compreender o uso das ferramentas e a finalidade da obra; duvidamos que a matéria-prima fornecida seja capaz de se tornar parte da grande arte. De início, apenas queremos nos livrar do problema sem nenhum cuidado com o conteúdo oculto. Como um bom mestre, a vida segue fornecendo o material para sucessivas tentativas; aos poucos, diante de pequenos avanços, também disponibiliza o uso de novas ferramentas, sem deixar de oferecer o aperfeiçoamento no uso das antigas; todas de extrema valia. Por vezes, se faz necessário mudar as condições, pois, alunos rebeldes ou displicentes precisam de maior rigor e atenção. O Grande Mistério não desiste de ninguém. Tampouco diminui o amor. Trata-se de uma questão de sabedoria e justiça. Por isto os dias de ninguém são iguais aos de ninguém. Você é único. Todos somos. Entender as ferramentas e a obra é fator de libertação ou aprisionamento, depende somente de si mesmo. Por isso os desavisados lamentam pelos dias chatos que insistem em se repetir como uma melodia monocórdia. Estão retidos na estrada do tempo. Para mudar o tom das horas se faz indispensável aperfeiçoar o talento intrínseco do artista. Isto equivale ao aprimoramento da obra”. Tornou a baforar o cachimbo e complementou: “Portanto, nunca lamente. Aceite a lição; entenda a transformação oferecida. Nisto reside a alegria dos dias. Aproveite a matéria-prima, aperfeiçoe o manejo das ferramentas e execute a obra de si mesmo”.

Insisti que ele estava equivocado. Indaguei a razão de ele se negar a ver o óbvio. Falei que entendia a evolução pessoal como a obra primordial, assim como as virtudes serem as ferramentas disponíveis para essa grande arte. A questão era outra. Eu ficava quieto no meu canto, não provocava ninguém nem me intrometia nas escolhas alheias. No entanto, nunca bastava. Os conflitos me perseguiam. Sim, era preciso viajar, tirar férias, ficar um tempo distante. Talvez houvesse uma chance de os problemas esquecerem de mim, suspirei. Torcia também para que algumas pessoas, por ficarem sem me ver, apontassem as suas miras para outra direção. Canção Estrelada arqueou os lábios em leve sorriso. Pensei que fosse de doce aprovação. Era compaixão.

Na manhã seguinte, logo após as primeiras canecas de café, por hábito, fui ler as mensagens contidas no celular. Entre muitas, duas me trouxeram desconforto. Em uma delas, um dos meus ex-sócios, que na dissolução da sociedade ficara com a casa onde funcionara a agência de publicidade, reclamava que havia sérios problemas de infiltração na casa, a ponto de comprometer a estrutura se uma enorme reforma não fosse iniciada imediatamente. Embora a sociedade restasse desfeita havia vários anos, ele alegava que, pelos estragos causados, o início da infiltração, de acordo com os engenheiros, era anterior a isso. Sustentava que as despesas deveriam ser rateados entre os antigos sócios. Ora, por que ele esquecera de mencionar os altos aluguéis que passara a auferir desde então com a casa localizada em um bairro nobre da cidade? Quem fica com os bônus deve arcar com o ônus, disse para mim mesmo, não sem alguma irritação. 

A outra mensagem desagradável fora enviada por uma prima. Havia anos, eu assumira os cuidados com a nossa avó. Em razão da idade avançada, surgiram entraves físicos que exigiram atenção constante e ajuda intensa. Para evitar que fosse internada em uma casa geriátrica, como era a vontade da família, mas não da minha avó, que queria continuar residindo na mesma casa onde passara toda a existência, perto dos vizinhos e das referências que coloriam a sua realidade e ajudavam a contar a sua história, eu assumira a responsabilidade em cuidar dela. Não era tarefa complicada. Como ela recebia uma generosa aposentadoria, coube a mim selecionar os funcionários adequados e coordenar o funcionamento da casa, que eu visitava de duas a três vezes por semana. Uma tarefa tranquila, que eu executava com tranquilidade, embora soubesse que por ter feita essa escolha, não teria qualquer ajuda da família. Na maioria das vezes, fazíamos juntos o lanche da tarde. Eu costumeiramente levava os croissants de amêndoas, feitos em uma padaria perto da minha casa, que ela adorava. Conversávamos bastante. Eram momentos de intensa alegria para ambos. Essa prima, ainda que pese o justo motivo de morar em cidade distante, nunca demonstrara qualquer interesse em saber da nossa avó, aproveitou que estava no Rio de Janeiro por causa de um compromisso profissional e foi visitá-la. Na mensagem enviada, se mostrara preocupada com as diversas falhas que, segundo ela, existiam nos cuidados e aproveitou para apontar várias melhorias que deveriam ser implementadas de imediato. Em outras palavras, ela não estava disposta a fazer nada, mas tinha decidido aquilo que eu precisava fazer para que a assistência à nossa avó melhorasse. Achava-se no direito de apontar os defeitos sem se oferecer para executar as soluções que ela mesma propunha. Simples assim, resmunguei irritado com o abuso. 

Ao entrar na casa com um saco de pão fresco que fora buscar para o café da manhã, Canção Estrelada me encontrou sentado à mesa, com as feições típicas de quem está contrariado. Ele perguntou com a sua voz serena e rouca: “O que é capaz de lhe tirar do eixo da luz logo após acordar?”. Contei para ele sobre as duas mensagens. Dois evidentes abusos. O fiz lembrar da nossa conversa da tarde anterior. Era impressionante como os problemas me perseguiam. Eu me tornara o alvo predileto para as pessoas descarregarem as suas insatisfações e incompletudes. O xamã ponderou: “O saber tem muitas camadas. Faz parte do processo evolutivo, aos poucos, descortinar cada uma delas”.

Falei que não tinha entendido. Ele explicou: “Embora haja razão nos seus argumentos quanto à maneira como muitas pessoas lidam com as suas incompreensões, seja transferindo responsabilidade, seja recusando compromissos, a questão me parece diferente. O problema não reside nos problemas em si, mas na maneira como você reage a eles. Qualquer situação pode ser motivo de sombra ou de luz, depende apenas do seu olhar”. Sentou-se a mesa, enquanto passava uma generosa porção de manteiga no pão, disse: “Enquanto você não entender todo o poder da compaixão, o comportamento alheio continuará sendo motivo irritação”. Bebeu um gole de café e acrescentou: “A irritação, por se tratar de uma sombra proveniente do ódio e da impaciência, afasta o amor e desbota a luz se não a desmancharmos imediatamente. A irritação nos dará mil motivos para reagirmos aquém das nossas possibilidades. Será mais uma oportunidade desperdiçada. A obra seguirá inacabada”.

Em seguida, concluiu: “Ao aceitarmos a oferta da vida para bailarmos a fantástica sinfonia das estrelas, passamos a envolver os problemas e os problemáticos sob o manto da compaixão, uma virtude primordial que, como tal, reverbera em amor e luz. Um portal se abrirá. Aquilo que os incautos acreditam se tratar do fim, a compaixão permite o início de uma nova jornada repleta em leveza”.

Canção Estrelada nada mais disse. Deixou-me refletir sobre as suas palavras. No entanto, eu continuava sem entender a valiosa ferramenta que tinha nas mãos, a compaixão. Embora a conhecesse em teoria, a desperdiçava na aplicação dos meus dilemas pessoais.

Naquele mesmo dia, ao visitar uma interessante feira de artesanato local, encontrei um artesão do qual já tinha adquirido várias peças nas vezes anteriores que estivera na cidade. Eu era um admirador do seu trabalho e talento. Sempre tínhamos conversas agradáveis quando nos encontrávamos. Daquela vez, ao me ver, de imediato comentou como eu tinha emagrecido. Comentei que me sentia muito bem naquela nova fase. Foi quando o artesão disse que a minha aparência estava péssima. Segundo ele, eu ficara com a fisionomia de um homem doente e deveria repensar a questão, pois, não deveria ser assim. Depois de tantos anos com o desconforto de estar acima do peso, envolvendo todos os riscos de saúde envolvidos, justamente quando conseguira me adequar a uma nova dieta, associada à prática de exercícios físicos e estava alegre por ter atingido o objetivo desejado, me chega uma crítica que nas entrelinhas me diz que fiz tudo errado e estou mal situado. Fiquei chateado. De imediato pensei que era despeito do artesão por ostentar algumas dezenas de quilos além do limite para uma condição física saudável. Com um enorme esforço para conter a irritação e manter a gentileza, aleguei outros afazeres e me despedi. Fui embora da feira. Mesmo em um lugar onde havia tantas coisas interessantes e belas, não tive qualquer vontade de permanecer ali. O passeio de encerrara. A alegria e a leveza também.

Retornei para casa. Era final de tarde. Canção Estrelada se embalava na cadeira de balanço enquanto colocava fumo no fornilho de pedra vermelha do seu indefectível cachimbo. Ao me ver, fez não com a cabeça. Seja a minha fisionomia, seja a energia que eu emanava, não deixava qualquer dúvida como eu estava irritado. Ao me aproximar, ele questionou: “Tornou a se machucar?”. Contei o ocorrido. Depois, lembrei-o da tese de eu ser uma espécie de para-raios para as insatisfações alheias. Não importava onde estivesse, eu era o alvo. O xamã franziu as sobrancelhas e disse com seriedade: “Enquanto interpretar o personagem de vítima do mundo, ficará estancado na própria incompreensão. Todo sofrimento, qualquer que seja, tem a sua origem na equivocada interpretação da realidade. Entenda um pouco mais de si mesmo para que possa ter uma melhor leitura do mundo. Conhecemos o mundo através das lentes que usamos. Claras ou escuras, ao substituir as lentes, as cores mudam. Também não esqueça de limpar os filtros por onde chegam as impurezas para não permitirmos qualquer tipo contágio energético. Sim, a frequência das vibrações são venenos ou elixires. Lembre que a Lei das Afinidades é implacável. Isto também é uma escolha. Nos casos das ofensas e das provocações, a questão fundamental não é conseguir fazer de imediato a exata leitura do coração do antagonista. Embora importante, esta é a parte mais simples. Complexo é saber como reagir”.

Questionei como seria possível não se irritar com a carga de agressividade proveniente de uma ofensa, seja uma acusação depreciativa direta ou em forma de ironia e sarcasmo, seja por intermédio de uma cobrança injusta. Falei que eu sofria ataques constantes; eram pedras de todos os lados. Canção Estrelada baforou o cachimbo, sorriu para fumaça que bailava diante dos seus olhos, e ensinou: “Enquanto olhar para o mundo como uma guerra a ser vencida, você viverá todas as agonias, horrores e escuridão da guerra. Diante das pedras, você levanta os seus escudos para se defender e, por vezes, atira de volta na tentativa de fazer cessar os ataques. Mata e morre todos os dias. Não há do que reclamar das dores da batalha escolhida”.

Indaguei se havia escolha. O xamã fez sim com a cabeça e me lembrou: “Sempre há escolhas. Infinitas escolhas. Estamos destinados à liberdade”. Antes que eu dissesse palavra, ele esclareceu: “A liberdade é consequência do processo evolutivo. Muito mais do que flanar solto pelas ruas, a liberdade nasce na profundidade do pensar, através do desfolhamento das camadas do saber, para se desenvolver na amplitude de escolhas até então inimagináveis”.

Fez uma pausa antes de prosseguir: “Viva o mundo como se fosse uma escola. Assim ele é. Aceite os problemas como desafio, não de confronto, mas para soluções nunca pensadas. Essa é uma maneira eficaz de expandir a consciência. Já imaginou se ao invés de se defender das pedras com os escudos da irritação ou as devolver com igual ódio, você se colocasse em um lugar inalcançável às ofensas?”. Falei que tal postura me parecia impossível. Canção Estrelada continuou: “Continuará impossível até que se ouse a fazer diferente e melhor”. Como percebeu um enorme ponto de interrogação em meu olhar, revelou acesso: “Na compaixão reside o segredo de acesso”. 

Pedi para ele definir o que entendia como compaixão. O xamã foi didático: “Ao lado da humildade e da simplicidade, a compaixão forma a tríade das virtudes primordiais, fundamentais para que o viajante das estrelas ultrapasse o Primeiro Portal do Caminho, conhecido como Portal da Lucidez. Como o próprio nome explica, lucidez é a capacidade de trazer luz onde há escuridão. Dentro e fora de si. Compaixão é a compreensão amorosa da dificuldade alheia, possível para aqueles que já reconhecem as próprias dificuldades, sejam as superadas, sejam as que ainda estão em elaboração”. Tornou a baforar o cachimbo antes de fazer uma valiosa ressalva: “Contudo, se faz essencial que a compaixão venha acompanhada da humildade, virtude típica daqueles que sabem quem ainda não são e se reconhecem sinceramente pequenos, mas dispostos a evoluir. Acreditar-se graúdo enquanto ainda se é miúdo é o maior dos enganos, fruto dos vícios em máscaras e personagens que buscam encurtar o Caminho. Não saem do lugar. Esgotam-se em guerras inúteis. Daí a importância da simplicidade para afastar as névoas das mentiras e dos condicionamentos aprisionantes. Faz-se necessário coragem e sinceridade para se olhar nu diante do exato espelho da alma; todas as suas conquistas e as inúmeras dificuldades. Então, entender que a vitória não está em derrotar ninguém, mas consiste tão e somente em se tornar uma pessoa diferente e melhor; um pouco mais a cada dia. Pode-se derrotar mil exércitos, mas enquanto não aprender a amar mais e melhor, nada de verdadeiro terá conquistado. Esta é a síntese da evolução”.

Depois do preâmbulo, foi ao cerne da questão: “Esse entendimento proporcionado pela compaixão, que envolverá o ofensor em luz, precisa estar genuinamente acompanhado por virtudes sedimentadas, como a humildade e a simplicidade. Do contrário, será mero exercício de orgulho e vaidade, por se acreditar maior e melhor que os outros. Não haverá qualquer traço de lucidez; nenhum portal se abrirá. Você continuará estancado na estrada do tempo, trocando pedras de mútuas incompreensões em uma selva escura e densa de sofrimento e ignorância”. Deu de ombros e concluiu: “A propósito, ignorância se manifesta todas as vezes que acreditamos saber o que não sabemos. Solo fértil para erva daninha dos enganos”. 

Então, finalizou: “Com humildade e simplicidade, envolva o agressor no manto luminoso da compaixão. Entenda que qualquer ofensa se expressa por sofrimento e incompreensão. São palavras que, por ignorância, tentam ferir quando em verdade gritam por ajuda. Ali existe uma mente enevoada, um coração bagunçado e uma alma coagida. Um grito silencioso de desespero que somente a compaixão é capaz de ouvir. Nestes momentos, lembre que você não está em guerra, mas na escola. A compaixão é a solução para esses problemas. Tenha a doçura da rosa para entender as dificuldades e a firmeza da rocha para conter eventuais abusos. Mas lembre, você não está mais em guerra; logo, qualquer revide será um retrocesso. Estar na escola significa estar disposto a evoluir. Acolha o ofensor no limite da sua capacidade e dentro das possibilidades permitidas à ocasião. Nunca esqueça que sempre é possível fazer diferente e melhor. Aja com sincera compaixão e sinta o amor injetado em suas veias, iluminado cada viela escura do seu ser. Isto se chama felicidade. Para alcançá-la todos os dias ninguém depende de ninguém, salvo de si mesmo. Esse poder é seu e meu. É de todos”.

Perguntei o que fazer se o ofensor persistir em sua postura agressiva. Canção Estrelada deu de ombros e disse: “Nada além do que seguir o envolvendo sobre o manto sagrado da compaixão. A ofensa ou a acusação, são como convites para um baile trevoso. Como qualquer convite, basta recusar. Entenda que as pedras que ele continuar atirando, por terem se tornado inócuas, não mais atingirão você. Como a irritação da vítima alimenta o desequilíbrio do ofensor, ao perceber ineficácia dos tiros, ele compreenderá a inutilidade da batalha. Em algum momento, se dará conta que está lutando sozinho. De início, ficará mais irritado. Depois, sentirá inveja, pois enquanto o mundo avançou, ele ficou empacado. Em seguida, virá a admiração. Então, estará pronto para buscar a própria luz. Este é o processo. Assim aqueles que sabem mais, também fazem conosco. Iluminamos o mundo ao acendermos a própria luz. Sem nenhuma guerra, mas solucionando os problemas da escola. Não conheço outro jeito”.

Não dissemos mais palavras. Eu precisava de quietude para alocar aquelas palavras. Ficamos na varanda por um tempo impreciso. Entendi como as queixas, insatisfações e críticas do antigo sócio, da prima e do artesão falavam mais sobre as suas dificuldades em lidar com as próprias escolhas do que justificavam obrigações ou equívocos meus. Embora as palavras fossem dirigidas a mim, elas falavam das suas próprias incompreensões. A compaixão me permitia esse entendimento e afastava qualquer irritação. Fui tomado por uma indescritível sensação de leveza. Sorri de alegria por compreender o alcance e o manejo da compaixão como uma das ferramentas fundamentais ao bem viver. Dali para frente cabia a mim aperfeiçoar ainda mais o seu uso. Lembro quando Canção Estrelada rufou em seu tambor de duas faces uma suave canção ancestral. Olhei para céu e agradeci às estrelas. Toda amargura desaparece quando entendemos que o mel da vida está em nossas mãos. Naquele momento, assumi o compromisso que não mais importaria para a felicidade dos meus dias o ódio, a indiferença, o egoísmo ou a desfaçatez com que o mundo me tratasse; dali por diante, passaria a valer o amor, a sabedoria e as virtudes que qualquer aspereza fosse capaz de despertar em mim. Os problemas são a valiosa matéria-prima na arte sagrada da consagração na luz. Compaixão, um segredo do incomensurável poder da evolução. 

9 comments

Fernando junho 12, 2021 at 7:00 am

Gratidão profunda e sem fim…

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Jéssica Perri junho 12, 2021 at 3:09 pm

Toda amargura desaparece quando entendemos que o mel da vida está em nossas mãos.

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Rafaela junho 12, 2021 at 11:07 pm

Gratidão 🌸

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Adilson junho 13, 2021 at 11:22 pm

Sempre uma luz!

Agradecido! ,( ´◡‿ゝ◡`)

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SCHWEITZER junho 17, 2021 at 2:03 pm

Um lindo e sábio texto sobre o estoicismo e a compaixão.

Amei.

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Leticia Fonseca junho 19, 2021 at 2:52 pm

Toda vez que escolho algum texto para ler, ressoa com meu momento atual. ´Sobre sinais e autoconhecimento. Gratidão.

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Claudia Lima julho 3, 2021 at 12:19 pm

Olá, gosto muito dos textos, muito mesmo, e vou dizer de uns tempos para cá estão muito longos. Entendo que são experiências narradas, e por isso considerando a narrativa delas se estende muito!

E não estou te trazendo mais um problema, mas um feedback como leitora assídua.

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Viviane Barbosa julho 6, 2021 at 10:13 am

Ahooo!!!! Sempre incríveis seus ensinamentos 🙏😃

Sou grata 😍😍😍🎁

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Sergio Abreu outubro 27, 2021 at 3:22 pm

As vezes, quando não estou muito bem, venho aqui e escolho um texto ao “acaso”, como um oráculo, e é incrível como eu sempre acabo lendo aquilo que eu preciso ler … e sempre da um up na minha vibração.

Gratidão sem fim…

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