MANUSCRITOS VI

A sutil diferença

Era terça-feira de uma semana qualquer. À medida que eu solucionava os problemas, outras dificuldades surgiam. Assim são os dias. Será ruim se não soubermos aproveitar as oportunidades escondidas para irmos além de onde sempre estivemos; se torna maravilhoso quando entendemos como sopram os ventos que nos impulsionam. Haverá estresse ou existirá alegria, a depender de um simples olhar. Dizem que os melhores marinheiros aproveitam a calmaria, mas procuram pelas tempestades. Lá estão os ventos fortes. Assim são os dias. Eu aprendera que o descanso e a diversão são tão importantes ao trabalho como a dedicação e a disciplina. Naquela tarde, eu precisava me desligar dos afazeres profissionais para me sintonizar ao meu eixo de luz. As influências sombrias provenientes do mundo são intensas e constantes; basta um mero descuido para arregimentarem as minhas sombras pessoais; então, terei um motim a bordo. Ao perder o comando sobre a embarcação, ficará difícil evitar o naufrágio. As tempestades não me assustam, me preocupo é com quem está no leme das minhas escolhas. O afinco ao trabalho é fundamental para o prosseguimento da viagem; momentos de lazer, meditação, estudos e oração servem para ordenar a tripulação. Ao perder a orientação, perco também o comando. A minha verdade, na confluência entre consciência e virtudes, é a minha estrela-guia. Os meus reveses e conquistas.

Naquela tarde, deixei o trabalho suspenso no ar. Sim, tudo pode esperar um pouco; nada pode ser adiado indefinidamente. Uma sutil diferença entre reflexão e estagnação. Compromissos, problemas, obrigações, soluções e dúvidas podem aguardar por horas, talvez dias, para que sejam dissolvidos. Todos precisamos deste tempo para nos conectar à nossa essência em busca de luz. Retornaremos mais fortes e equilibrados, com as emoções serenadas e os pensamentos claros. Encontraremos passagens ocultas onde antes havia somente um enorme muro nos impendido de prosseguir.

Tinha inaugurado uma agradável cafeteria em uma arborizada rua ao lado do meu escritório. Peguei um livro do Anselm Grun e fui feliz da vida, como um garoto que corre solto pela praia em uma manhã de sol, me aboletar em uma poltrona. Tocava bossa-nova na voz de Tom Jobim. Pedi um expresso duplo acompanhado de bolo de fubá. Tudo maravilhosamente delicioso; uma tarde para acariciar os sentidos e a alma. Passados alguns minutos, tive a atenção desviada por um homem que quase derrubou a minha xícara ao tropeçar na mesa em que eu estava sentado. Era o Pedro. Eu o conhecera havia muitos anos, no período em que fui trabalhar com publicidade. Ele era um dos redatores de uma prestigiada revista, na qual costumávamos veicular muitos dos anúncios que a agência criava. Lembro que o Pedro se destacava pela ousadia singular de artigos sobre temas que eram delicados à época. Tinha um estilo corajoso de escrita, com o atrevimento de inventar palavras para melhor sintetizar ou traduzir as suas ideias. Tínhamos conversado algumas vezes; eu o admirava. 

Gentil, ao se desculpar pelo incômodo, me reconheceu. De maneira sucinta, atualizamos os nossos momentos. Os ventos mudam, a vida também. Algo indispensável à evolução de toda gente. É importante que seja assim. Eu já não era mais publicitário, mas um editor artesanal. Com o Pedro as mudanças também tinham sido angulares. Impressa em papel, de periodicidade semanal, a revista tinha se tornado obsoleta com chegada das informações digitais e ultra velozes. Os donos da revista não tinham encontrado a passagem entre o tempo necessário para a elaboração da arte no texto e a rapidez exigida pelos dias atuais. Em algum momento, um veículo de enorme influência tinha se tornado desinteressante ao público. Pedro confessou que nunca se conformara com o desenrolar dos acontecimentos. “Perderam o trem para o futuro”, se lamentou com evidente pesar. Por não haver outra revista com o mesmo perfil arrojado, a ousadia dos textos do Pedro não encontrou lugar em nenhuma outra publicação. Desde então, restara deslocado e, pior, desempregado. Nunca mais encontrara um espaço para ocupar no mundo. Nem na sua própria vida. Havia sofrimento no seu olhar. Ele adorava a revista; ainda mais, amava o estilo de vida perdido. Percebi que precisava conversar. Pedro estava aprisionado ao passado por se recusar a aceitar as mudanças. O convidei para se sentar comigo; ele aceitou de imediato. Pedimos mais dois cafés. 

Fui direto ao assunto: “Existe um trem para o futuro?”. Antes que ele pudesse esboçar uma resposta, indiquei onde pretendia chegar: “Ficar atento às inovações tecnológicas não é necessariamente um trem para o futuro. Sem dúvida, facilitam a vida e devem ser adotadas na medida das necessidades pessoais. Embora sejam um inegável avanço, elas não levam ninguém ao futuro”. Inconformado, Pedro abriu os braços para ressaltar que eu negava o óbvio. Expliquei: “O que nos faz perder o ritmo da História não é o uso da tecnologia mais moderna, mas a falta de entendimento para onde e de qual maneira devemos seguir. Isto, sim, é crucial. Tudo mais é apenas ferramenta”.

Fui ao cerne da questão: “A tecnologia, embora facilite os meus dias, não me torna um homem moderno. O meu jeito de ser e viver, sim, me atualiza no tempo. Ao tempo da minha evolução. Ser e viver estão conectados à minha maneira de olhar, pensar e agir. Tão e somente isto me torna inovador. Ou retrógrado. Independente da tecnologia que tenho à disposição e utilizo”.

Pedro discordou. Sustentou que a direção da revista hesitou por mais tempo do que deveria em adotar a versão digital. Quando se decidiu, já tinha sido abandonada pelos leitores. Sim, Pedro tinha razão. Contudo, a questão de usar tecnologia mais atual e modificar todos os padrões de comercialização utilizados na época, vista de agora, parecia uma questão de fácil solução. Do mesmo modo, trazemos nos dias de hoje questões angulares que adiamos indefinidamente por termos sérias dúvidas de como resolvê-las e que podem nos tirar do compasso da História. Pior, do ritmo da nossa própria existência. Como dizia um alquimista da Antiguidade, todos temos boas lanterna de popa, aquela que fica ao fundo da embarcação; somos ótimos para analisar as ondas que já passaram. Sábios são os que trazem a lanterna na proa a iluminar as ondas que estão por vir. Estes são raros e indispensáveis.

Quando adiamos uma decisão, terminamos por decidir em permanecer parado, a espera de que o acaso resolva aquilo que acreditamos incapazes de solucionar. Em outras palavras, abdicamos do leme da embarcação, deixando-a à deriva, na expectativa de que as ondas o conduzam a um porto seguro. O nome disto é medo. O medo agiganta todas as tempestades. Pior, nos aprisiona nelas.

Isto afastava os motivos de superfície daquela conversa, o fim trágico de uma conceituada revista, para nos levar a questão de profundidade: a razão pela qual Pedro continuava aprisionado ao passado após tantos anos. Aceitar que o mundo e a vida mudam o tempo todo é entender os ventos da transformação. Os ventos mudam de direção para aperfeiçoar o marinheiro na arte de navegar. Revoltar-se com os ventos é um convite ao desastre. Adaptar a posição das velas para evoluir nas tormentas, nos leva além da imaginação e do conhecimento. 

Iniciei a inadiável partida: “Abandonar as velhas formas de viver não significa necessariamente abdicar das essências do ser. Princípios, valores e verdades podem seguir coerentes em um diferente estilo de vida. A vestimenta não muda o indivíduo; o seu olhar, pensar e agir, sim, o modificam. Não raro, ter de deixar de lado roupas sofisticadas por outras bem mais simples, pode ferir o orgulho; por outra ótica, pode ter o poder de despertar a humildade. Todas as vezes que substituímos o uso das sombras por alguma virtude trazemos um pouco mais de leveza aos nossos dias”.

Era preciso ir aos fundamentos para que o raciocínio se fizesse lógico: “Para nos fazer avançar, a vida nos desequilibra. Revolta é a recusa em aceitar os convites da vida para caminhar de um jeito diferente. Sentar-se na beira da estrada para se esgotar em lamentos é uma escolha pessoal. Buscar um novo ponto de equilíbrio e aperfeiçoar o jeito de andar, também”. Pedro quis saber onde eu queria chegar com aquela conversa. Evitei maiores rodeios: “Quero chegar nesta mesa, pretendo alcançar você. A razão pela qual se nega a sair do passado. Um lugar abençoado pelas lembranças, mas inadequado para se morar”.

Pedro me perguntou se eu não compreendia que a vida dele restara prejudicada por causa de decisões erradas de outras pessoas. Expliquei: “Esta maneira de olhar e pensar são as grades da sua prisão. Evite o personagem da vítima perfeita. Ele o impedirá de agir, negará novos rumos e destinos. Pessoas que aceitam esse papel se acreditam credores da vida em razão das rupturas que aconteceram. Ninguém fez nada com o intuito de prejudicar você. Lembre que quem mais perdeu foram os donos da revista. O fato de ter sido atingido pelas escolhas alheias não o impede de prosseguir. As pernas são suas. Levante-se e caminhe. Faça de si mesmo a sua melhor invenção. Que os seus dias sejam o melhor texto que você já escreveu. Dos escombros, reconstrua um novo ser. Não haverá história mais bela”.

Inconformado, sacudiu a cabeça e falou com uma ponta de ironia: “Nada como um pouco de poesia para nos iludir quanto à realidade”. Não me deixei afastar do meu eixo nem da minha verdade. Eu admirava o Pedro e queria que ele resgatasse a autoestima. Com isto, recuperaria a própria vida ao se livrar do cárcere onde se colocou. Expliquei: “A poesia, assim como a filosofia, serve para afastar as cascas das aparências. Então, a essência reluz. Aí está a sua fonte de força e equilíbrio, o seu ponto de partida para uma nova jornada, o capítulo inicial de outro ciclo existencial. Apesar de ser a sua história, se tornará outra, por levar o protagonista aonde ele nunca imaginara chegar”. Fui sincero com ele: “Eu acredito nessas palavras. Eu as uso para caminhar nas minhas noites escuras. Nos dias que me desoriento por não enxergar as estrelas, uso a filosofia como guia”. 

Pedro perguntou se eu tinha alguma ideia do que ele poderia fazer. Mantive a firmeza: “Nenhuma. A você caberá as consequências por suas escolhas. Portanto, que entenda a responsabilidade que lhe cabe. Nenhuma ajuda servirá para libertar o prisioneiro que se apaixonou pelo cárcere”. Pedro se calou. O seu olhar distante evidenciava o efeito daquelas palavras em sua consciência e coração. Deixei que metabolizasse cada uma das ideias. Assim é o processo de mutação. Pedro disse que ficara desorientado desde o fechamento da revista. Amava a vida de redator conceituado de uma publicação prestigiada. Os seus textos influenciavam as pessoas. A sua opinião importava. Ele se sentia importante. Com o fechamento da revista, caíra no ocaso. Foi como se a sua vida tivesse desparecido também. Ninguém se importava mais com que ele pensava. Sem demora, outros ocuparam o seu lugar no gosto do público. 

Comentei que, mais do que do seu trabalho, me parecia que ele sentia falta dos elogios e dos aplausos, do séquito de admiradores, dos privilégios e dos convites que surgiam em função disso. Pedro fez sim com a cabeça. Embora sentisse falta da rotina na redação da revista, admitia que nunca mais tinha sido convidado nem mesmo para um chope no bar da esquina. Sofria com a sensação de esquecimento e abandono. Fiz outra abordagem: “Não foi o mundo que o abandonou. Foi você quem se recusou a prosseguir. Ao deixar que o orgulho e a vaidade ditassem o ritmo dos seus dias, enquanto se acreditava forte, na realidade você se enfraqueceu. Quando os ventos mudaram, afastaram as aparências, a essência se revelou miúda e acanhada. Você se percebeu fraco e desequilibrado para novas orientações e diferentes rotas. Passou a acreditar que não existia mais nenhum outro destino. Preferiu se alimentar com a fantasia da vítima perfeita, um personagem perigoso por trazer a decisão oculta de desistir da vida. Ao contrário do que prefere imaginar, ninguém o esqueceu. Na verdade, ninguém mais o vê; é muito difícil encontrar aqueles que se escondem de si mesmo. No mais, não espere que alguém faça por você algo que somente você pode fazer por si mesmo”. Fiz uma pausa proposital para ressaltar: “Caminhar”. Em seguida, o lembrei: “Devemos acolher a todos os náufragos, entretanto, não se pode navegar por ninguém. Eis outra sutil diferença”. 

Pedro alegou que não era fácil para quem não sabia para onde ir ou que fazer. Esclareci: “A vida exige movimento. Não qualquer um. Deixar-se paralisar pelo medo equivale a se mover em sentido à escuridão. Quando nos movemos em direção da evolução, a vida nos impulsiona rumo à luz. Haverá dificuldade, mas não faltará avanço”. Ele tornou a ficar em silêncio, como se ponderasse revelar um segredo bem guardado. Até que disse: “Há poucos meses, recebi uma quantia considerável de herança pelo falecimento de um tio. Não me tornei um milionário, mas se bem administrado, será suficiente para o meu sustento por alguns anos”. Respirou como quem busca coragem e revelou: “Não por acaso, recentemente encontrei os antigos donos da revista. Foi uma conversa agradável, embalada em boas recordações. Sugeri o relançamento da revista. Eles me ofereceram para ficar com o nome da revista sem qualquer ônus. Disseram que o simples fato de a revista renascer seria motivo de alegria para eles. No entanto, não tinham nenhum interesse em serem meus sócios. Enfim, eu teria de bancar o projeto sozinho, com o dinheiro que tenho guardado para me sustentar pelos próximos anos”. 

Antes que eu falasse algo, Pedro se adiantou: “Sei os pensamentos que o permeiam neste momento e a pergunta que me faria. A resposta é não. O meu interesse em reabrir a revista e reconquistar os antigos leitores com textos ousados e o mesmo perfil arrojado que a caracterizou por décadas, não é o desejo pelos aplausos e privilégios de outrora. Trata-se do que amo fazer, do meu dom e de um propósito de vida”. E acrescentou: “Seria a mesma revista, mas seria outra, adequada às novas mudanças e tempos”. Deu de ombros e concluiu: “Afinal, tudo muda porque tudo precisa mudar”.

Sorri satisfeito. Havia um evidente avanço. Adorei aquele olhar de Pedro até então desconhecido aos meus olhos. Assim como eu, ele acreditava no exercício dos dons como jeito diferenciado de caminhar pela existência. Animado, eu quis saber em qual ponto já se encontrava o processo de relançamento da publicação. A resposta foi desalentadora: “No zero”.

Nada havia saído do lugar. Perguntei qual problema em iniciar o projeto de reabrir a revista, agora no formato digital, redesenhada, atualizada e conduzida por suas próprias ideias e conceitos. Pedro abriu os braços, como fazia quando queria ressaltar as suas palavras, e confessou que o problema é que teria de investir todo o dinheiro que tinha para prosseguir com o seu sonho. Se desse errado ele ficaria sem a sua garantia de sustento para os próximos anos. Argumentei com ele: “Sem dúvida haverá muitos riscos. No entanto, penso que uma vida sem riscos traz a marca do medo. Histórias assim não valem a pena serem contadas. O mundo é perigoso, algumas relações são traiçoeiras e os ventos sempre mudam. A vida é para todos, contudo, muitos preferem ficar na segurança do próprio quintal. De certo, não sofrerão com as armadilhas das ruas, os riscos dos desencontros, as dificuldades incalculáveis de sair de um lugar para se chegar em outro. Porém, nunca saberão sobre os encantos que há nas ruas, as alegrias dos encontros inusitados e os destinos diferentes e inimagináveis. Ninguém é obrigado a nada, contudo, o compromisso com a vida exige riscos; não existem conquistas sem riscos. A escolha é sua e minha. É de cada um de nós”.

Mostrei outro viés: “Se der errado, e sempre é possível que aconteça, você terá que se reerguer das próprias ruínas. Embora não seja o desejável, será uma inegável fonte de autoconhecimento e superação, fonte inesgotável de equilíbrio e força. Assim se forjam as almas dos gigantes”. Fiz uma breve pausa para o Pedro alocar as ideias. Depois, prossegui: “Existe a possibilidade de você nem tentar. O seu sustento será garantido até o último dos seus dias, assim como a tristeza e a amargura irão acinzentar as manhãs ensolaradas. As tardes serão vazias e as noites seguirão vadias; nem mesmo as estrelas lhe servirão de companhia”. Tornei a pausar e prosseguir: “Se der certo você deixa de ter um problema ao encontrar a solução para resgatar a alegria dos seus dias. Tão e somente”.

Sublinhei um detalhe de extrema importância: “O que você não pode é se deixar conduzir pelo medo”. Perguntei quanto anos Pedro tinha; cinquenta foi a resposta. Cedo demais para se despedir dos dons e da vida. Sim, toda desistência equivale a uma despedida.

Pedro argumentou que não sentia medo, apenas agia com precaução. Não me parecia um argumento válido. Ponderei que o projeto de relançamento da revista nem sequer tinha começado. Ele explicou que era necessária muita cautela para não desperdiçar dinheiro. Lembrei haver uma sutil diferença entre o medo e a precaução. Expliquei: “O medo finge se tratar de um escudo protetor e grita: Não vá! Fuja! Se esconda! O mundo é traiçoeiro e a derrota é um lugar insuportável”. Pedro me olhava com interesse. Segui com os significados: “Por sua vez, a precaução nos pede cuidado, que analisemos bem os perigos e busquemos todas as possibilidades possíveis. No entanto, ao final, aconselha: Vá devagar, porém, não deixe de ir. Ainda que o negócio dê errado, a experiência adquirida se tornará um patrimônio de valor incomensurável. A maior derrota é apequenar a vida”. 

Recorri à sabedoria de um antigo alquimista de almas: “O medo é a morte em vida pela escuridão, fragilidade e desequilíbrio que traz. A sutil diferença entre a precaução e o medo está na coragem. Não falo da brutalidade dos violentos, que, em verdade, não passa de uma máscara para indivíduos toscos, desorientados e covardes. Refiro-me a coragem contida no amor por si mesmo, pela vida e na vontade de seguir em frente. Não importa o desenrolar dos fatos, pois, é nesse amor que encontraremos a ousadia, a magia e a vitória”.

Pedro me olhou assustado, abaixou a guarda e admitiu: “Eu sinto medo. Não sei se consigo suportar outra queda”. Lembrei ao Pedro: “Não existe queda pelo mero fato de um projeto dar errado. Até porque muitos acontecem por circunstâncias alheias à nossa capacidade de percepção e sensibilidade; somos atingidos pelos reflexos do mundo, como uma enorme onda impossível de evitar. Sim, balançamos. Muita coisa restará desarrumada com o choque. Porém, como uma embarcação que atravessa uma terrível tormenta, será preciso atracar no caís para reparos, ajustes e atualizações. Faz parte da rotina de navegação do autoconhecimento. No entanto, a decisão de negar o mar bravio e os ventos fortes, nos conduz à viagem de conquista nos territórios da alma e da evolução”. Em seguida, concluí o raciocínio: “Queda é quando nos deixamos guiar pelo medo e pelas nossas sombras. A queda não ocorre como reflexo dos fatos oriundos do mundo, mas por tropeçar em nossas próprias pernas. Significa que ainda não fomos capazes de avançar além do ponto de partida”. 

Fomos interrompidos pela simpática barista que trouxe os nossos cafés. Pediu desculpas pela demora. Explicou que a máquina apresentara um defeito nunca ocorrido antes, já consertado. Sorriu, deu de ombros e comentou: “Foi um pequeno revés, jamais uma derrota”. Em seguida, acrescentou: “Foi bom, pois aprendi um pouco mais sobre o seu funcionamento”. Como se aquelas palavras não tivessem nenhuma correlação com a conversa daquela tarde, pediu licença e retornou ao balcão.

Bebemos o café em silêncio. As ideias precisam de quietude para se acomodarem à consciência. Até que Pedro deu um lindo sorriso e começou a me contar sobre os conceitos que permaneceriam e os que seriam mudados para o relançamento da revista. Falou da identidade visual que seria alterada. Embora fosse uma publicação de opinião, traria uma concepção mais ousada, com traços editoriais que lembrariam as histórias em quadrinhos, em sintonia ao perfil arrojado dos textos do seu principal redator, agora proprietário, que sempre encantou o público. Foi uma prosa longa e agradável. Saímos da cafeteria com noite alta. Tive a nítida certeza que as estrelas bailavam em festa sobre o veludo do céu. O Pedro tinha finalmente deixado a plataforma do passado para embarcar no seu próprio trem rumo ao presente. O futuro o aguardava na estação seguinte. Todos os dias.

7 comments

Fernando abril 22, 2021 at 11:08 am

gratidão profunda e sem fim irmão amado, profunda e sem fim….

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SCHWEITZER abril 22, 2021 at 1:50 pm

Me indentifico muito com o Pedro. Imagino entao, que a solucao da sua estoria, seja a mesma da minha. Quem na vida errou ao acreditar em si mesmo?

Divino.

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Andre Menezes abril 23, 2021 at 9:17 am

Gratidão por esses maravilhosos textos!

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Jane abril 24, 2021 at 1:00 pm

Sempre uma luz a iluminar a estrada de cada um de nós. Gratidão!

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Bárbara Rodrigues abril 24, 2021 at 6:44 pm

Não é por acaso que eu o li 💛🙏🏼🌸

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Terumi abril 25, 2021 at 11:06 pm

Gratidão 🙏

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Michelle maio 23, 2021 at 9:28 am

Obrigada!

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