MANUSCRITOS II

As chaves da evolução

 

O Velho, como carinhosamente chamávamos o monge mais antigo da Ordem, tinha acabado de ministrar uma palestra em uma prestigiosa universidade. Eu tinha sido designado para acompanhá-lo na viagem. Quando andávamos em busca de um táxi que nos levasse até a estação ferroviária, fomos abordados por uma professora da instituição, que de maneira educada, disse que tinha assistido à palestra e tinha ficado intrigada. Nos convidou para almoçar no restaurante da própria universidade, pois gostaria de conversar um pouco mais com o monge. O convite foi aceito. A mulher foi direto ao assunto. Falou que tinha gostado muito de toda a exposição, mas algo a intrigara. Pelo que entendera, o Velho dissera que o único objetivo de todos nós era evoluir. Apenas isto. O monge balançou a cabeça confirmando. Ela, sempre gentil, falou que discordava. Alegou que não acreditava que a vida continuasse após a morte. Explicou que as ideias de reencarnação ou de qualquer espécie de deus eram frutos de mentes pouco desenvolvidas ou supersticiosas que tinham medo de encarar a realidade de que a morte era o fim. Portanto, sustentou, o sentido da vida era tão somente a busca da felicidade.

O Velho ofereceu um belo sorriso e com o seu jeito tranquilo disse: “Eu concordo com você”. A professora se mostrou surpresa com a resposta e ele explicou: “Acreditar ou não em Deus e em qualquer dos conceitos da imortalidade do espírito não deve mudar em absolutamente nada os valores que norteiam a vida de uma pessoa. Ninguém precisa crer na existência de outra dimensão para seguir a lei espiritual maior que consiste em fazer aos outros somente o que desejamos que nos façam. Alguns dos homens mais fantásticos que conheci são ateus, outros são religiosos. São pessoas maravilhosas que norteiam as próprias vidas no esforço de serem melhores a cada a dia e possuem um enorme respeito por todos. Entendem que não vivem sozinhas no planeta. Logo, embora o encontro da própria felicidade seja uma jornada solitária, se entrelaça pela vida de todos, pois é nesse convívio que ela é ensinada e exercitada”. Deu uma pequena pausa antes de concluir: “Não apenas concordo que todos devem buscar a felicidade, mas acho até que já fazem isto. No entanto, percebo uma enorme dificuldade em alguns para entender o processo”.

A professora falou que considerava o monge um homem bom e inteligente, porém ingênuo. Acrescentou que acreditava na ciência e em apenas naquilo que os cientistas pudessem comprovar. O Velho agradeceu o elogio e disse: “Sim, talvez eu seja ingênuo e acredite em coisas que a ciência ainda não pode comprovar matematicamente. Creio, por exemplo, no amor e na sua infinita capacidade de transformar a vida de uma pessoa, embora nunca tenha sido apresentado a qualquer estudo científico sobre essa poderosa força que nos movimenta. Desde tempos imemoriais a humanidade soube que se jogasse uma pedra para o alto deveria tirar a cabeça de baixo, embora apenas há poucos séculos Isaac Newton oferecesse uma explicação para a existência da gravidade. E até lá, a pedras se mantiveram suspensas no ar”? Rimos todos. Deu uma pequena pausa e prosseguiu: “Tenho um respeito absoluto pela ciência e penso que ela é uma aliada poderosa da espiritualidade. Elas não se negam nem se anulam. Ao contrário, se explicam. Penso, no entanto, que esta costuma estar sempre um pouco à frente daquela. Assim, prefiro acreditar naquilo que me é filosoficamente mais interessante, ainda que demore para que os números confirmem os meus sentimentos. Albert Einstein demorou mais de dez anos para provar à comunidade acadêmica a relatividade do tempo e do espaço; apenas a fé em sua percepção o fez prosseguir nos estudos e experiências que comprovariam as suas fórmulas. As intuições estão na vanguarda do conhecimento. Há milênios os esotéricos afirmam que tudo no universo é energia. Absolutamente tudo. Recentemente a Física Quântica mostrou que a matéria não existe. O que se pensava ser matéria, nada mais é do que energia condensada, em importante passo, embora ainda em estágio inicial, para o entendimento do espírito pela ciência. E eu lhe pergunto, o que era deixou de ser”? Tornou a dar uma pausa e concluiu: “Mas tudo isso que falei não tem qualquer importância, são apenas as tintas com que enfeito de cores a minha vida. Entendo que possa não ser útil a mais ninguém e respeito quando alguém não queira me acompanhar. O que de fato importa é que cada qual convide o ego para bailar com a alma no grande salão da vida. Cada qual encontrará a perfeita afinação de ritmo e passo nas músicas da própria existência”.

A professora falou que não havia muito o que pensar: a vida é simples. Ela tinha um emprego que adorava e era fundamental para oferecer condições que a propiciasse uma vida confortável. Gostava de viajar, ler bons livros, assistir grandes espetáculos, encontrar com os amigos para conversar e se divertir. Adorava as confraternizações em família. Esses eram os prazeres onde encontrava a felicidade. Simples assim. O Velho arqueou os lábios em leve sorriso e disse: “Basicamente, esses também são os meus prazeres e não abro mão deles”. Diante do espanto da mulher, o monge prosseguiu: “Mas não são onde encontro a felicidade. Esses são os momentos em que a compartilho. Achar que a felicidade está no prazer não é a simplicidade da vida, mas a sua simplificação”. A professora pediu para ele aprofundar o raciocínio. O Velho seguiu em frente: “A simplificação está em nadar no raso da vida. A simplicidade consiste em mergulhar em suas profundezas sabendo que para cada qual é oferecido as exatas condições para emergir no oceano da existência”. A mulher disse que não tinha entendido. O monge foi mais didático: “Para encontrar a felicidade é indispensável uma viagem sincera dentro de si mesmo. A jornada de autoconhecimento é fundamental para o encontro com a felicidade. Apenas a coragem de se olhar no espelho poderá mostrar os condicionamentos que oprimem a verdadeira vontade, as sombras que o manipulam em ardilosa prisão e as feridas que sangram em mágoas a procura de cura. Essa é a estrada para a liberdade e a plenitude do ser. Não há outra. É simples por depender apenas de si próprio. É simples porque você não depende de nenhuma situação externa. É simples porque o encontro mais importante da sua vida é consigo mesmo. É quando alma e ego se harmonizam em suas intenções. Então, brota a felicidade”. Deu uma pausa dramática e proposital antes de concluir: “Isto é evolução”.

A professora questionou se o monge sustentava que a felicidade não estava no mundo, porém dentro de cada um. O Velho arqueou as sobrancelhas e disse: “Exato. A felicidade acompanha o ser na exata medida da sua evolução pessoal ou espiritual, como queira denominar. Este crescimento está intimamente ligado à sua capacidade de identificar as raízes do seu sofrimento. Depois, transmutar os sentimentos e iluminar as ideias que o orientam e definem o ser. O que era dor vira pó de estrelas”.

A mulher se mostrou indignada. Alegou que pela linha de raciocínio do monge o sofrimento seria uma escolha. O Velho arqueou os lábios em leve sorriso e disse: “Exato”! A professora falou que era um absurdo imaginar que alguém preferisse sofrer. O monge explicou: “Escolhe sofrer pelo fato de não entender que a cura está na transformação e na evolução; por se agarrar as botas pesadas dos valores obsoletos que o atolam na estagnação; por teimar em não ser diferente e melhor. Se recusar a fazer a parte que lhe cabe é negar as próprias asas. Isto é uma escolha”.

Todos ficaram um tempo sem dizer palavra. O Velho quebrou o silêncio: “Para ser feliz é necessário entender a felicidade. Se você prestar atenção, perceberá que o mal é praticado na simplificação da busca da felicidade. Por exemplo, o ladrão acredita que o fruto do roubo facilitará o seu encontro com a felicidade. Assim pensa o político que se deixa corromper ou o assassino que se engana na crença de que a eliminação do outro será o bastante para que seja feliz. Claro que os exemplos são radicais, mas em menor escala, é assim com cada um de nós. Ou seja, sem o devido entendimento, corremos o risco de nos afastar da luz mesmo que o desejo seja por algo tão bom e valioso como a felicidade. Sim, não raro nos aliamos ao mal na contradição de alcançar o bem”.

“Nunca haverá a necessidade de forçar ninguém a fazer algo em prol da sua felicidade. Esta é a sua simplicidade. Todas as vezes que você atribuir a alguém a responsabilidade por suas insatisfações estará transferindo o eixo da sua vida para fora de si mesmo e abdicando do poder de ser livre e pleno. Mostrará que a felicidade é uma lição que ainda não foi aprendida”.

“Acho os prazeres importantes e necessários. No entanto, a felicidade é de fundamental importância, pois vai além do prazer pelo fato de transcender ao tempo. O prazer é um acontecimento que se encerra nele mesmo, tem uma duração finita. No máximo restará uma bela recordação. A felicidade é um estado de espírito costurado na teia da vida, aos poucos, na medida do aprendizado e do fortalecimento do ser. É como se no início estivéssemos em pedaços, como mil partes de um mosaico, e a felicidade fosse efêmera e fugaz por não se sustentar no ser dividido, na pessoa que não consegue ainda se ver e se sentir por inteira. Fase em que a felicidade se apresenta em períodos, partida como nós. Ela se comporta como uma visita que gosta do passeio, mas não se estabelece porque não se sente confortável naquela casa. Temos a sensação de que sempre está faltando alguma coisa, um sentimento de incompletude e não entendemos a razão. Na verdade, estamos aos cacos como uma porcelana quebrada. A colagem dos fragmentos soltos e, até então, perdidos é o trabalho que nos resta para alcançamos a integralidade do ser. Então, no ser inteiro, a felicidade encontrará lugar para se instalar definitivamente e se fazer presente nos mais simples afazeres do cotidiano. Seremos a sua morada infinita, perceberemos a manifestação do milagre da vida em todas as coisas. Encontremos o sagrado no detalhe do mundano. Nesse momento perceberemos que a felicidade não mais está; agora ela é”.

O Velho olhou a professora com doçura e disse com a sua voz mansa: “Então, voltamos ao início da nossa conversa. Não importa se você é religioso, espiritualista ou ateu, a felicidade é o destino de todos nós. A evolução é a única estrada”.

Uma lágrima fugiu pelo rosto da professora. Ela disse que o monge naquele instante entregava a ela a chave de uma porta que parecia instransponível. Depois, olhou nos olhos do Velho e agradeceu com o mais belo sorriso de que tenho lembrança.

 

 

14 comments

Joane Faustino agosto 12, 2016 at 6:10 am

Perfeito simplesmente lindo acordar com esse aprendizado…. obrigada Yoskaz…

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elvis agosto 12, 2016 at 3:37 pm

Muito obrigado pelos maravilhosos ensinamentos. Parabens

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Raquel agosto 12, 2016 at 9:36 pm

Lindíssimo, uma geNde oportunidade de refletir e agir!!!!

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Nazaré Dimaria agosto 14, 2016 at 10:00 pm

Belíssimo !!!!

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Delba Baraldi agosto 15, 2016 at 8:11 pm

Estou exatamente neste momento da busca de quem sou eu realmente.
O universo esta sendo generoso em me colocar a frente tantas oportunidades de ensinamento.
Obrigada Yoskhaz

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Maria Risonete agosto 15, 2016 at 10:58 pm

Incrivel, fornece possibilidades fabulosas e numerosas de reflexão! Gratidão sempre!

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Koishima agosto 17, 2016 at 10:37 am

Queria muito que uma pessoa importante para mim, lesse esse texto! Porém, ela resolveu se afastar da luz, assim como eu me sentia em uma evolução constante ao lado dela e vice versa, mas nos perdemos.. Tenho andado pelas ruas e refletindo esse texto, me fez pensar que a real felicidade também é quando passamos por uma tempestade e depois o que nos incomoda, não incomoda mais. Felicidade está em “entrar na luta dos crocodilos” e observa-los e não correr, com medo. Ter medo de algo e depois quando supera-lo, dar risada disso tudo, isso tambem é felicidade. Pra muitos, felicidade é estar no role e curtir o role, deixando todos os problemas pra depois, pro outro dia.. Mas, a felicidade também é andar com os problemas mas não espalhando-os e sim compreendendo-os.. Agradeço pelo texto, meu irmão! Paz

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DANIELLA PAULA OLIVEIRA _ agosto 17, 2016 at 12:54 pm

Como agradecer?! Que o seu sagrado, que é o sagrado de todos, continue transbordando através das suas divinas palavras. Gratidão Yoskhaz!

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Charles agosto 17, 2016 at 8:44 pm

Muito bom os textos, venho evoluindo no espírito refletindo os ensinos, obrigado Yoskaz.

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Jailson agosto 18, 2016 at 11:38 pm

REAL APRENDIZADO EVOLUTIVO.

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Mario Ribeiro de Paula agosto 28, 2016 at 10:59 pm

Texto profundo que instiga-nos ao raciocínio. Eu sou grato por isso!

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Eliana Czochra setembro 7, 2016 at 5:25 pm

Simplesmente iluminado, encontro-me em estado de meditação. Perguntas surgem o Tempo todo para entender essa força propulsora que o proprio universo nos emana. Ora ele nos da dificuldades, vendavais , inundações e outras …mas quando volto para meu interior compreendo que sou eu colhendo os frutos dos meus pensamentos.

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Silvia Maria Gomes novembro 26, 2016 at 9:04 am

Lindíssimo!!! Gratidão!!!!

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Anna janeiro 31, 2017 at 10:57 pm

Lindo… Enviei para uma amiga em “peregrinação”. Dá vontade de sentar à mesa, tomar um chai e conversar com você. Um dia, quem sabe numa próxima viagem e se a sintonia nos aproximar…
Gratidão. Namastê!

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