Tudo começou com a cisão na agência de propaganda da qual eu era um dos sócios. O motivo da separação tinha sido a conta de uma poderosa multinacional que exigia exclusividade no atendimento. Enquanto dois sócios se retiraram para montar outra agência com a finalidade de atender a essa empresa, outros dois, eu e o Paulo, ficáramos com as contas dos clientes antigos, todos de pequeno e médio portes. Abrimos mão de ganhar um bom dinheiro, mas poderíamos manter uma rotina saudável e alegre, sem a frieza no trato pessoal, típica das grandes corporações. Eu seguia satisfeito. Todavia, o sócio que ficara comigo, não. O motivo era a vida dos outros que saíram. Eles, no decorrer de poucos anos, ficaram milionários. A cada notícia de uma mansão, iate ou artigo exclusivo aos ricos, adquirido por eles, incomodava profundamente ao Paulo. Ele sempre lamentava a escolha feita e ficava dias, por vezes semanas, com extremo mau humor. Tratava a todos com rudeza e impaciência. Até comigo o relacionamento ficara difícil. Não raro, desaparecia da agência, me evitava e sequer respondia as mensagens enviadas. Certo dia, eu o vi falando de maneira grosseira com uma funcionária. Havia passado da hora de estabelecer um limite àquilo.
Tranquei-me com ele na sala de reuniões. De modo sereno, falei que o comportamento dele era inadequado ao ambiente de trabalho. O fato de ser o dono da empresa não o legitimava a falar daquela maneira com ninguém. Pedi para ele avaliar as suas atitudes nos últimos tempos e perceber como se tornara uma pessoa malquista por todos na agência. Porém, caso ele quisesse, era possível modificar esse comportamento e retomar a alegria de antes. Falei que eu sempre prezei muito por um local onde as pessoas trabalhassem com satisfação, em ambiente propício ao desenvolvimento do potencial e talento de cada funcionário. Quando isto acontece, todos ganham. Lembrei que este tinha sido o diferencial para agência ter conquistado alguns prêmios e um pouco de prestígio no passado. Algo que vinha se perdendo, talvez pelo fato de o ambiente de trabalho ter se tornado tenso e pesado.
De modo acintoso, Paulo colocou os pés em cima da mesa e reclinou a cadeira para trás. Olhou-me com mágoa e, em tom de voz agressiva, disse que eu era culpado pela fortuna que ele tinha perdido. Referia-se ao fato de não ter acompanhado os sócios que saíram da agência. Confessou que, na época, embarcara na minha lábia, com aquelas ideias absurdas de viver com leveza. Falou que a vida era dura e o mundo admirava somente aos que tinham dinheiro. Este era o padrão de prestígio e sucesso para a humanidade. Sem me deixar sair do meu eixo de equilíbrio, tentei ponderar: “Estamos, você e eu, tão longe da riqueza quanto da miséria material. Temos uma existência confortável. Um lugar para morar e comida na mesa todos os dias. Nossos filhos estão em boas escolas e são pessoas encantadoras. Isto é suficiente. Se tivermos riqueza espiritual, isto nos tornará prósperos”.
Prósperos? Ele estranhou. Eu expliquei: “Ao contrário da riqueza, caracterizada pelo acúmulo de bens materiais, muitas vezes além do necessário, a prosperidade se estabelece quando vivemos bem com aquilo que temos”. Paulo me interrompeu para dizer que esse era o meu problema, eu me contentava com pouco. Segundo ele, eu tinha a mentalidade de pobre e, por isto, tinha que lamber as fotose me contentar com as notícias de conquistas dos antigos sócios.
Eu argumentei por outra ótica: “Isso não verdade. O sucesso dos outros nunca será um impeditivo à alegria dos meus dias. Quero o bem de todos, movimento que desatrela a minha vida à existência alheia. Se a felicidade de alguém me incomoda, está disparado o alarme que algo em mim anda mal. Nada a ver com as coisas que tenho, mas com a pessoa que sou. Em mim, jamais nos outros, está a fonte das dores e das delícias que brotam todos os dias”.
“Esforço-me para viver com a mentalidade de um homem livre. Para isto, tenho que me desamarrar de toda e qualquer dependência possível. Sejam os vícios emocionais, sejam os materiais, condicionamentos que aceitamos sem entender, por não questionar. De quanto menos precisar, mais livre serei; este é o eixo horizontal que me conduz. A escuridão do mundo não apagará a luz da minha alma; eis a linha vertical que me orienta. Este processo se inicia dentro mim para se refletir nas minhas relações pessoais. Se não vivo bem comigo, terei problemas com as pessoas”.
Paulo abriu os braços, disse que eu deveria seguir as minhas teorias idiotas e deixá-lo viver como ele desejava. O meu sócio estava mal. Era como se ele estivesse em um quarto escuro. Quando isto acontece, nem sempre entendemos que precisamos de luz, mas, ao contrário, tentamos trazer as pessoas para ficar na escuridão conosco. Incomoda admitir que estamos fazendo escolhas erradas. Esta é uma das razões da nossa agressividade. Aparentemente é mais fácil transferir para os outros a responsabilidade pela insatisfação que sentimos. Uma facilidade que engana. Não se consegue sair do lodo movediço quando teimamos em fazer o movimento errado. Então, afundamos mais. Sem transformação no ser e no viver não há superação de nenhuma situação que nos cause sofrimento.
Deixe-me viver do jeito que quero, o Paulo repetiu. Era uma atitude de evidente provocação. Eu não podia deixar que ele me arrancasse de mim. Sem abdicar da serenidade, argumentei: “Cada um deve ser e viver do jeito que acreditar melhor. Contudo, há limites. Esta fronteira é a individualidade. É inadmissível subjugar os outros. Ninguém é obrigado a se sujeitar às suas contrariedades com a vida, quando elas se manifestam de modo agressivo”.
“Ainda que pese as necessidades de muitos funcionários quanto aos empregos que sustentam as suas famílias, nenhum deles é obrigado a ficar na empresa, se não estiver satisfeito. Porém, quando se sujeitam, as consequências são ruins. É preciso levar em conta o péssimo ambiente de trabalho que tem permeado as relações entre todos na agência. Isto afeta não apenas a produtividade, mas a leveza indispensável à felicidade. Delicadeza é fundamental e é de graça”.
Dei uma pausa, pois entraria em terreno sensível e disse: “Sem dúvida, você tem o direito de viver como deseja. Entretanto, não quero que a agência que também dirijo, o meu local de trabalho, onde passo muitas horas todos os dias, seja um lugar sombrio e desagradável. Pior, sem necessidade”. E o lembrei: “Eu tenho esse direito”.
Paulo deu uma gargalhada. Falou que eu não tinha como obrigá-lo a ser diferente. Concordei com ele: “Em verdade, nunca pensei nisso. Forçar a quem quer que seja a fazer algo que não queira, foge aos meus princípios. De outro lado, não sou obrigado a viver de modo ou em lugar que me seja desagradável. Vim conversar contigo para que refletisse sobre as suas atitudes”. Antes que ele se manifestasse, acrescentei: “No passado sempre tivemos um bom relacionamento. Tudo mudou quando nos separamos dos outros sócios. Que tal você tirar férias para pensar sobre os motivos que tanto o deixam insatisfeitos? Acredito que podemos retomar o bom ambiente que um dia tivemos”.
Desafiador, falou que não sairia de férias nem mudaria a sua conduta. Se eu quisesse, continuaríamos assim. Caso contrário, eu poderia fazer o que achasse melhor. Eu não tive dúvida em afirmar: “Penso que cada qual deve seguir o seu caminho”.
Com sarcasmo, Paulo disse que pagava para ver. Ainda se utilizando de termos comuns ao pôquer, falou que eu blefava. Lembrou que ele era quem tinhaos clientes. Era amigo da maioria. Sob determinado prisma, era verdade.
Paulo sempre tinha funcionado como uma espécie diplomata informal da agência. Gostava de comer e beber com fartura, de ter sempre pessoas à sua volta, de contar piadas e viajar em grupo. Ao menos uma vez por semana, ia ao restaurante com algum cliente, em almoços que costumavam demorar toda uma tarde. Como era casado com uma mulher parecida com ele, também tinha o hábito de viajar em família com os clientes. Estreitara a amizade com vários deles. O seu mau humor era restrito a quando estava dentro da agência. Em público, parecia outra pessoa.
Não, ao contrário do que se possa pensar, Paulo não era falso ou portador de dupla personalidade. A questão era mais simples. Caso o homem seja um animal social, como sustentam alguns filósofos, a agência se tornara um habitat desconfortável para ele, pelas lembranças desagradáveis quanto as oportunidades perdidas na cisão da antiga sociedade, ao menos de acordo com o seu entendimento. Essas memórias se personificavam através da minha presença.
Ainda desafiador, duvidou que eu tivesse coragem de romper a sociedade que tínhamos, como fizera com os outros. Dessa vez seria diferente, ele garantiu; a maioria dos clientes, ou mesmo todos, o acompanhariam. Eu ficaria na miséria, me assegurou. Falei que o trabalho de relações públicas realizado por ele tinha extremo valor. Entretanto, eu fora responsável pela criação das campanhas durante todo esse tempo e algumas foram premiadas, o que muito contribuiu para angariar e manter os clientes. Ele retrucou que me substituiria facilmente por jovens talentosos e criativos. Melhor, não precisaria mais dividir os lucros da agência comigo. Alegou que, até então, tinha sido extremamente generoso, pois eu teria enorme dificuldade em conseguir alguém como ele, capaz de captar e cativar a clientela.
Expliquei ao Paulo: “Sou muito grato e reconheço a importância do seu trabalho. Embora torne as relações mais suaves, não me agrada a ideia de manter a clientela, sobretudo e somente, pela amizade. Eu reconheço e prezo os amigos como instrumentos primordiais à alegria da vida. Todavia, não se pode ter dependência profissional às amizades. O trabalho deve se manter pela qualidade, comprometimento e inovação com que nos empenhamos a ele. Esse é um diálogo claro que mantenho com a liberdade”.
Ele perguntou com ironia se eu era dono de mim como me fazia parecer. Sem perder a calma, respondi que me empenhava em ser sincero aos meus princípios para ter uma relação honesta com a vida. Acrescentei que eu não deixaria o medo guiar as minhas escolhas. Conclui ao dizer: “Não subestimo o seu poder, mas conheço a minha força”.
Não que eu tivesse qualquer virtude extraordinária. Longe disto. Apenas tinha a consciência de que o Caminho nunca se fecha ao andarilho que o trilha com vontade e amor.
A sociedade foi desfeita. Antes da dissolução contratual, os clientes foram comunicados para decidirem se trabalhariam com o Paulo ou comigo. Como previsto por ele, quase todos o acompanharam. Apenas um preferiu que eu cuidasse da publicidade da sua empresa. Como era uma conta pequena, por sensatez, a agência ficou com o Paulo, inclusive a espaçosa casa, em um bairro nobre, onde funcionava. Assim como a maioria dos funcionários. Abri uma nova agência, abrigada em uma sala comercial. Foram comigo somente uma designer gráfica e um funcionário para serviços gerais. Era o limite do orçamento financeiro que me restara. Mesmo com uma única conta, era muito trabalho para três pessoas. Como se não bastasse, foi preciso reduzir o salário deles. Eles aceitaram sem reclamar. Contudo, eu não me sentia justo. Foi quando ofereci uma participação nos lucros, caso houvesse. Apesar de todas as dificuldades de espaço e dinheiro que tínhamos, os nossos dias eram alegres, divertidos e repletos de esperança.
Entretanto, a vida não acompanha os desejos, mas a necessidade de evolução. Ao final do primeiro ano, estávamos com prejuízo na contabilidade. Havia surgido despesas imprevistas e eu tive que esgotar uma pequena poupança pessoal para honrar os compromissos da agência. Certo dia, os dois funcionários me chamaram para conversar. Cientes das dificuldades financeiras que a agência atravessava, disseram que entenderiam a minha opção em fechar a empresa e, neste caso, até abririam mão de qualquer indenização trabalhista, pois reconheciam o valor da minha luta e o quanto tinham crescido durante todo esse período. Com os olhos marejados, lhes falei: “É muito importante perceber quando um ciclo de vida se encerra. Entretanto, não podemos confundir o fim de um ciclo com as dificuldades inerentes à vida. A sociedade com o Paulo foi um período que terminou; a minha carreira como publicitário, não. Os problemas que existem são exercícios de criatividade, aprendizado e força”. Fiz uma pausa para enxugar as lágrimas e prossegui: “Acredito em mim, isto sempre me bastará. Ocorre que a vida, com toda a sua infinita generosidade, me privilegiou ao colocar duas pessoas maravilhosas para trabalharem ao meu lado, durante um momento, embora difícil, muito bonito, pois exige que tenhamos de ir além de onde sempre estivemos. Isto é transformador”.
A jovem designer quis saber se eu não tinha nenhum receio. Afinal, o futuro da agência parecia incerto. Lembrei de uma conversa que tivera com o Velho, o monge mais antigo da Ordem, onde eu estudara filosofia e metafísica, havia muitos anos. Ele me ensinara que quem caminha com amor não precisa ter medo da escuridão. Pois, a luz estará dentro de você a iluminar os seus passos e a proteger o seu caminho. Contei isso para eles e acrescentei que essa era a virtude que movia a minha vida. Desistir estava fora de cogitação. É preciso trabalho e paciência para que a magia da vida se manifeste.
O rapaz que tinha um cargo de muitas funções, confessou que eles vinham recebendo constantes propostas do Paulo para retornarem à antiga agência. O salário era maior e as perspectivas melhores. Sorri por entender aonde aquela conversa nos levaria. Falei que deveriam fazer aquilo que fosse melhor para eles. Eu entendia a escolha. Por ter profundo respeito à minha liberdade, respeitava a liberdade de todos. Inexistiria qualquer traço de ressentimento. Os dois me deram um abraço apertado e se foram.
No dia seguinte, talvez sabendo que eu ficara sozinho, a única empresa que ainda se mantinha comigo, me telefonou para rescindir o contrato. Restara eu, uma sala, nenhum cliente e pouco dinheiro.
Para ser justo, não me cabiam a revolta, a vitimização ou a tristeza. Eu vivia as inevitáveis consequências das escolhas que fizera. No mais, também não era inteligente. Desde que eu tenha sabedoria e amor para aproveitar, tudo o que acontece na minha vida é para o meu bem. Este é um precioso mantra a ser repetido todos os dias. A maneira como reagimos aos problemas define o poder que eles terão sobre nós. Os problemas podem se comportar como abismos que interrompem a estrada ou se transformar nas asas que levarão ao inimaginável da vida e de si mesmo.
Como ainda era cedo, decidi subir a Pedra da Gávea, uma montanha com face de esfinge que, dizem alguns místicos, serve de sentinela da cidade do Rio de Janeiro. É possível chegar ao topo depois de cerca de três horas de escalada sem necessidade de cordas. Eu costumava ir lá quando mais jovem. Sempre me encantara com a sua estranha energia. Como se houvesse um portal entre dimensões, ali os pensamentos ficavam incrivelmente claros em mim. Era o que Canção Estrelada, o xamã que me ensinara a filosofia ancestral dos povos nativos da América, chamava de Lugar de Poder. Um local onde a conexão com o lado invisível do universo fica mais acessível. Lá em cima, há um amplo platô, onde é possível avistar toda a cidade. Naquele dia, não tinha mais ninguém no topo; o silêncio era tão absoluto que me parecia possível ouvir a sua voz. Sentei-me e fiquei em reflexão por um tempo que não sei precisar. Eu precisava me conectar com a minha essência e, por consequência natural, com o universo; entender o que acontecia comigo e por onde deveria seguir.
Em determinado momento, me veio a mente a imagem de Canção Estrelada. Lembrei de uma frase que ele sempre repetia:quem tem a si, nada falta.
Eu sorri para mim. O Caminho sinalizava uma direção. Eu tinha, mais uma vez, que me reinventar, remodelar a minha carreira profissional e a agência. Quando cheguei em casa, dormi profundamente. Nos meses seguintes, fiz um curso para aprender a usar programas de edição de som e imagens no computador. Aprofundei os estudos em psicanálise e os reflexos inconscientes dos costumes nas redes sociais. Enquanto isso, entrava em contato com empresas, oferecendo os serviços da minha agência. Os estudos iam bem, os negócios não saíam do lugar.
Em uma agradável tarde de sábado, fui assistir a um interessante espetáculo que misturava teatro, dança e circo em um mesmo enredo. Diversos estilos narrativos usados para ilustrar e aprofundar uma história. Encantado, fiquei imaginando como eu poderia usar essa ideia para inovar no meu trabalho. Não por acaso, encontrei com o Paulo e a esposa na saída. Eu não o via desde a dissolução da sociedade. Apenas ouvia que a sua agência seguia com bons contratos. Fui cumprimentá-los com alegria. Apesar das consequências que enfrentava, eu não sentia qualquer mágoa. Tinha sido uma escolha consciente, madura e sem nenhum traço de arrependimento; afinal, nunca se lamenta o preço da liberdade.
Fui recebido com arrogância. Ele disse saber que pouco, ou mesmo nada, restara da minha agência. Lembrou que tinha me avisado que isso aconteceria. Em seguida, me ofereceu uma vaga na equipe de criação da sua empresa. Falou que estavam com muito trabalho e precisavam contratar funcionários. Sem vestígio de orgulho, agradeci e expliquei que, apesar das enormes dificuldades, eu estava seguro quanto à direção que havia dado à minha vida e acrescentei: “A agência está de pé e, acredite, estou bem”. Era a mais pura verdade. Paulo deu um sorriso sarcástico, me desejou sorte, virou as costas e se afastou.
Fui tomar um café. Encontrei com uma amiga da qual não tinha notícias havia anos. Ela estava com a filha, uma moça bonita e bem-humorada, na faixa dos vinte anos de idade. Maria era o nome da jovem. Convidei para que sentassem à mesa comigo e logo engatamos em uma animada conversa. Em determinado momento, perguntei à Maria sobre o seu trabalho. Ela abriu a bolsa e retirou dois potes. Um hidratante e um protetor labial. Explicou serem elaborados de maneira artesanal, sem qualquer produto químico ou de origem animal. Inteiramente veganos, eram produtos de beleza tão saudáveis que poderiam até mesmo servir de alimentação. Para me mostrar que falava sério, abriu um dos potes, passou o dedo e ingeriu uma pequena quantidade. Em seguida, me ofereceu. Aceitei, comi e comentei: “É gostoso”. Rimos. Perguntei se eram eficientes na pele. Maria me respondeu que eram ótimos. As pessoas que experimentavam nunca mais deixavam de usar. Entretanto, as vendas estavam muito pequenas e talvez tivesse que abandonar o projeto para arrumar um emprego. Isto a entristeceria.
Ocorreu-me uma ideia. Falei que eu poderia ajudar, se elas confiassem em mim. Em contrapartida, elas também me ajudariam. Propus me deixarem criar uma campanha para os cremes. Eu usaria diversas narrativas para divulgar a marca, como havia visto no espetáculo que acabara de assistir. Elas disseram que seria maravilhoso e que acreditavam em mim, mas não tinham dinheiro para me pagar. Combinamos que os meus honorários seriam pagos através de um pequeno percentual dos lucros sobre o aumento das vendas. Caso não houvesse lucro, nada me deveriam. Aceitaram na hora.
Era o momento de fazer valer toda a minha experiência e estudos. Recriei todos os aspectos externos da marca. Mudei o nome para outro mais apropriado à ideia subliminar aos ingredientes usados nos cremes; desenhei, através de um software gráfico, um novo rótulo para personalizar os atributos contidos na marca. Abusei das cores nas embalagens. Construí um site, com navegação intuitiva, tanto para que o público se inteirasse sobre os ideais que moviam a marca, quanto para impulsionar as vendas pela internet. Criei grupos de debate nas redes sociais. Telefonei para uma amiga, uma conhecida atriz, e pedi para que ela aceitasse participar de um pequeno vídeo, no qual usaria um hidratante, enquanto explicava os diferenciais do produto. Acrescentei que não tinha condições de pagar o cachê. Como ela já tinha estrelado boas campanhas comigo, na época das antigas agências, foi generosa e não regateou. Quando estávamos filmando na casa dela, o seu gatinho se aproximou e começou a lamber o creme que acabara de passar nas mãos. Ela, de maneira espontânea, passou um pouco do hidratante na língua, sorriu com a própria travessura e elencou cada um dos ingredientes, todos naturais e comestíveis. Usei as imagens inesperadas para ressaltar, ainda mais, de como, além de bom para a pele, era saudável e isento de aditivos tóxicos.
A campanha teve uma aceitação muito além das nossas melhores expectativas, a ponto de Maria não ter condições de atender à crescente demanda. Sem demora, foi procurada por um investidor que a ofereceu condições para aumentar a produção em troca de participação nos lucros. Eu passei a ganhar mais também. Logo, comecei a contratar profissionais para trabalharem comigo. Tive que alugar uma sala ao lado. Para coroar essa jornada, inscrevi a campanha em um prestigiado festival de propaganda, que reúne agências de todas as partes do mundo. Não fui premiado com os primeiros lugares, mas recebi uma menção honrosa na categoria criatividade e outra no quesito modelo de negócio. Foi o suficiente para que empresas com dificuldades financeiras começassem a me procurar. Propunham o mesmo tipo de parceria; os honorários seriam um percentual do lucro, se houvesse. Aceitei todos. Passado alguns meses, tive que procurar um local mais espaçoso para a agência. Dessa vez fiz uma rota diferente. Fui para um galpão em um bairro industrial, no subúrbio da cidade. Todos os profissionais que vinham trabalhar comigo ganhavam participação nos lucros da agência. A expansão de uma ideia simples que unia as pessoas ao redor de um mesmo objetivo. Trabalhávamos sem paredes, em comum-unidade; todos tinham enorme interesse em se ajudar e no andamento de cada campanha. O ambiente era permeado de entusiasmo, alegria e leveza.
Uma revista de grande circulação fez uma matéria sobre a nossa trajetória e jeito de trabalhar. Não demorou, tive uma surpresa. Os dois funcionários que tiveram que deixar a agência para voltarem a trabalhar com o Paulo, me procuraram. Queriam retornar, mas entenderiam, caso eu não os aceitasse. Afinal, tinham me abandonado em um momento crucial. Emocionado, antes de dizer palavra, eu os abracei. Depois, falei que eles tinham sido aliados importantes na primeira hora e compreendia a necessidade pela sobrevivência. Lembrei que tinha falado que não haveria qualquer traço de ressentimento. Era verdade. Acrescentei que as portas estavam abertas para eles. Choramos juntos. Começaram a trabalhar naquele mesmo dia.
A agência seguiu em frente. Nunca fiquei rico. Não ganhei dinheiro como o Paulo nem me tornei milionário como os outros antigos sócios. Conquistei algo bem mais valioso. Intangível e imperecível: quando o abismo se apresentou à minha frente, eu aprendi a voar.
Imagem: Joingate – Dreamstime.com
19 comments
Maravilhoso!!!!! Veio em um momento crucial. Gratidão.
Yoskhaz meu mestre amigo e exemplo, sei que vc não me conhece, mais pra mim é um sonho e um desejo te dá um abraço, e dizer-te obrigo por tudo. admito eu andava perdido desde q nasci já não sabia quem eu era e nem o que fazer de mim, em meados de 2014 conheci seus textos, de começo não dei importância, mais alguma coisa tinha mudado, mexeu comigo. por acaso mais como “o acaso não existe” creio que papai cruzou nosso caminho. em 2015 tente suicídio fracassei, ainda bem! me senti tão inútil pensei nem pra me matar eu presto?! então lá vai eu atrás de respostas achei a página do Yoskhaz assine a Newsletter e comecei a receber seus textos com o tempo aprendi um pouco a ler e interpretar. aprendi muito desses tempos pra cá, chorei, ri muito. hj sou grato a vida, aos problemas a dificuldades, a tudo e a todos. estou aprendendo a encontrar os mestres em cada dificuldade. sou mais otimista realista e grato a tudo. a cada manhã me lembro de grandes frases que carrego comigo, “ser forte é uma escolha” “se o seu olho for simples seu universo é luz”eu tenho tudo que sou,e carrego comigo a canção da vida nada me faltará… Poderia ficar Aki escrevendo até amanhã, mais esse “dom” é seus mestres. gratidão gratidão obrigado. obrigado por me
ajudar a me entender, desculpe meus erros de português rsrs “A paz seja convosco!!!”
Gratidão sem fim Yoskhaz
Incrível a sincronicidade de seus textos com meus desafios, obrigado pelo o auxílio em minha jornada paralela, te desejo luz e firmeza na sua missão, gratidão, te conheço pelos seus textos ( já li quase todos ),tenho um carinho por sua essência, sejamos forte e serenos em nossa caminhada, gratidão!
Incrível a sincronicidade de seus textos com meus desafios, obrigado pelo o auxílio em minha jornada paralela,te desejo luz e firmeza na sua missão.
Já li quase todos os seus textos rss, me enriqueceram muito, hoje em meu lar já consigo acomodar melhor os pensamentos!
Gratidão!
Não o conheço, mas sinto tanta gratidão por partilhar esses textos emocionantes e repleto de aprendizado. Esse mesmo, quanta relação tem com o momento que estou vivendo e me colocou a reflexões profundas. Muito obrigada mesmo!
Parabéns pela Reflexão!
“… colheitas
são gestuais comuns
acessíveis a todos,
sem quaisquer restrições
ou distinções…
Mas semeaduras
serão ainda gestos não perceptíveis,
solitários…
Um ofício e linguagem
que poucos inda os que
vivem e compreendem! ”
(José Mauro de Toledo)
Ps.: Não estou mais recebendo sua mala direta. ?
Gratidão! ♡ ☆ ♡ ♡ ♥
Gratidão Yoskhaz!! 🙏🙏
E Tiago, não te conheço, mas te admiro, te admiro pela sua força e determinação, por não se abandonar e se tornar luz! Parabéns!!
🙏🙏
Belo texto, fiquei até triste com o desenrolar da situação quando as coisas estavam dando errado, percebi o quanto preciso melhorar. Notei que as vendas do livro não estão mais disponíveis no site, estava esperando ser lançado o quarto volume com a travessia, espero que resolva logo e lance-o. Paz e Luz!
Vandson, vc encontrará os Volumes 1,2 e 3 de Manuscritos no site da editora http://www.tintalivre.com
O volume 4 e Caravana serão lançados em breve.
Quem caminha com amor não precisa ter medo da escuridão.obrigado por tantos conselhos,que nos transmitem paz e muita luz,Divina!!muita Gratidão yoskhaz!!
Linda superação! Grata
Belíssimo texto Yoskhaz. Muito legal quando escreves sobre situações tão cotidianas nas nossas vidas e como soube lidar com elas. Sempre pensei que esses mestres, Canção Estrelada, O Velho, O Sapateiro eram ficções, mas lendo esse texto me questionei se eles realmente existem e se seria possível participar desses estudos também. Tenho muito interesse.
Abraço e sigo no aguardo do próximo.
Gratidão!!!
Querido mestre.
Gratidão por tudo que aprende, transmuta e compartilha conosco.
Lendo seu texto: “O amor. Tão perto, tão distante” de 2017 me dei conta de como você está seguindo no caminho, passo a passo. Como você tem crescido ao longo dos anos.
Percebo que seus textos estão mudando, embora você ainda cite as fontes que o movem, como o Velho, Canção Estrealada, Loureiro… nos últimos textos é você o mestre.
Você aprendeu todas as lições e está conseguindo colocá-las em prática.
Em 2017, tudo o que você questionava o Velho e dizia que era impossível se colocar em prática, ora veja! Você conseguiu praticar: amando incondicionalmente todos os personagens que apareceram neste texto de 2019!
Parabéns!
É um privilégio ver um filho da Luz evoluir tanto e tão rápido.
Você é um grande semeador e pelos comentários que vejo em seus textos, suas sementes não demoram a dar frutos. Jardineiro da luz, está ajudando as pessoas a brilharem também. Sua missão de ajudar a transmutar a densidade do planeta se concretiza a cada dia. Somos todos gratos. Que a paz seja convosco!
Seus textos são como bálsamo para mim Yoskhaz..Sempre me emociono e me enxergo em várias situações..Estou me sentindo cada vez mas livre para entender o que realmente é importante para mim e aorendendo a Amar as pessoas ..É para isso que estamos aqui..Gratidão sempre
❤️🌹
Que história incrível!
Muito parecida com a minha e meu sócio.
Também sou publicitária.