MANUSCRITOS VII

“Não faz sentido”, retrucou Valentina com a espontaneidade que lhe era própria. Isso foi há muito tempo, logo que a monja iniciou na Ordem. Estávamos assistindo a uma aula do Velho, o monge mais antigo do mosteiro. A Ordem Esotérica dos Monges da Montanha é uma irmandade filosófica cujo objetivo é estudar os textos sagrados de modo a instrumentalizar o bem viver. Considera-se sagrado tudo aquilo que nos faz pessoas melhores. Os Evangelhos, tanto os canônicos como os apócrifos; dos poemas do Tao Te Ching aos de Rumi; da poesia épica do Bhagavad-Gita à Codificação Kardequeana; dos diálogos de Platão à filosofia dos estoicos; da Ética de Espinosa à leitura psicanalítica contemporânea, entre muitos mais, existe um material sem fim a servir de ferramenta ao indispensável autodescobrimento e às consequentes transformações pessoais, engrenagem basilar da evolução. O Sermão da Montanha, valioso texto contido no Livro de Mateus, síntese dos ensinamentos Crísticos, é o eixo ordenador das atividades acadêmicas no mosteiro. Um roteiro para a jornada espiritual. Um autêntico manual transmutador. Neste mesmo caderno, algumas páginas adiante, há um trecho onde o autor reproduz uma fala de Jesus: Não pensem que eu vim trazer paz ao mundo. Não vim trazer a paz, mas a espada. Eu vim para pôr os filhos contra os pais… Os piores inimigos de uma pessoa estarão dentro da própria casa. Essas palavras deixaram Valentina inconformada: “É incoerente que Jesus tenha proferido tais palavras. A paz é uma das inegáveis conquistas da evolução. Não faz sentido acreditar que o legado desse grande mestre seja a guerra”. Eu me alinhei à monja. Não poderia um texto sagrado insuflar ao conflito e desestimular à paz. Assim como ela, eu dava os primeiros passos na Ordem. Em alvoroço, alguns colegas sugeriram que talvez houvesse erro de tradução ou o texto original tivesse sofrido alguma alteração indevida. Eram as únicas hipóteses, concordou a turma.

Como de costume, o Velho, como carinhosamente chamávamos o monge mais antigo do mosteiro, aguardou pacientemente que todos manifestassem suas opiniões. Depois, arqueou os lábios em leve sorriso e disse: “Nada há de errado com o texto. Jesus se valia de parábolas e figuras de linguagem para expandir o alcance das mensagens aos mais diversos níveis de consciências. As muitas camadas de interpretação são características naturais aos livros sagrados. O entendimento se modifica conforme a evolução do leitor. As mesmas palavras adquirem amplitudes e profundidades diversas à medida que avançamos na estrada da evolução. Aguçam-se a percepção e a sensibilidade. A compreensão de ontem nunca será igual a de hoje, que, por sua vez, será diferente amanhã. A ausência de mudanças pode significar uma triste estagnação. A vida exige movimento”. Esperou que a turma absorvesse o preâmbulo e seguiu com o raciocínio: “Entre várias interpretações permitidas pelo texto em questão, todas válidas, há três que considero brilhantes. A primeira delas, trata da hipótese de o mestre estar se referindo à escola reencarnatória, na qual desafetos ancestrais retornam à experiência planetária em uma mesma família, para que a convivência e as necessidades em comum permitam o saneamento das dívidas conscienciais de outrora. Não é fácil. Sem dúvida, haverá muito desentendimento e aspereza até que surjam interesse e vontade em compreender a razão das diferenças, em mudar o olhar e os sentimentos, combater os ataques das sombras pessoais com as armas da luz. Esgotados por tanto esforço e nenhum resultado, talvez entendam o dano e a desnecessidade do ódio e da mágoa. Então, o amor passa a ter uma chance. Das ruínas e da tragédia se inicia a reconstrução da trajetória de duas ou mais almas, agora regidas pelo amor. Ninguém consegue tamanha vitória sem grandes transformações internas. Onde reinava o ódio, o amor construirá um império. Pode acontecer de nem todos os envolvidos entenderem a beleza da transformação oferecida por experiências desse naipe, e apenas um entre os seus integrantes esteja disposto a seguir rumo à luz. Nada o impedirá. Tampouco seria justo. O reino do amor erguer-se-á naquele que tiver lucidez para vencer a batalha em si mesmo. Aos demais, caberá as consequências das suas escolhas. O texto explica a função das famílias disfuncionais como oficinas evolutivas. Uma inegável oportunidade de aperfeiçoamento”.

Fez uma breve pausa antes de abordar a segunda interpretação que também admirava. O bom monge perguntou: “Quando vocês meditam, o que estão buscando?”. Uníssona, a turma respondeu se tratar de um exercício utilizado para encontrar a paz interior. O Velho nos surpreendeu: “Vocês ainda não entenderam a meditação”. Os alunos ficaram em polvorosa. Ele explicou: “Meditamos para conhecer o caos que nos arranca do eixo de luz. Tal e qual a um espelho, a meditação serve para mostrar as imperfeições, os erros, o que está quebrado e mal construído dentro da gente. Um importante exercício capaz de nos levar a origem das dores emocionais, onde se formam os sentimentos amargos que apequenam a vida ao impedir a profusão do pensar. Quando o olhar encurta as incompreensões se agigantam. O sofrimento se alastra. A verdadeira meditação nos convida à guerra intrínseca provocada pelos nós existenciais produzidos por experiências mal elaboradas. Desatar os nós exige vontade, coragem e autoestima de enfrentar a si mesmo e reelaborar as situações vividas através de novos elementos. Como numa equação matemática, ao trocar os sinais de subtração pelos de adição modificamos o resultado. Acredite, rever personagens e cenários desagradáveis do passado que nos prejudicaram, não para os absolver, mas para os perdoar, é uma guerra dificílima travada no próprio âmago. Assim como compreender e aceitar que muitas vezes nos sentimos prejudicados sem nenhuma razão sensata; apenas não sabíamos lidar com as contrariedades típicas da imaturidade. Há batalhas de muitos tipos, cada qual tem as suas, porém, todos temos guerras a travar. O silêncio da meditação no conduz a elas. São valiosíssimas pela libertação e paz que proporcionam. Contudo, ninguém encontrará a paz antes de enfrentar todas as confusões e conflitos internos para que possa reinterpretar e reconstruir a si mesmo. A paz é uma construção, jamais um lugar de fuga. A espada a que se refere o texto sagrado é o bom combate citado por Paulo de Tarso em uma das suas cartas igualmente sagradas: a luta interna, ininterrupta e atroz para transformar as próprias sombras em luz. A batalha do bem contra o mal, em verdade, é travada dentro de cada um de nós. Um luta diária e intensa. Não é nada fácil. Uma batalha de aperfeiçoamento intrínseco, onde aquele que queremos nos tornar terá de matar quem somos. Não existe outra vitória nem outro jeito de conquistar a paz”. Tornou a fazer uma pausa para observar se todos acompanhavam o arco filosófico proposto: “As mensagens de mestre Jesus convidam a esse indispensável combate interior”. Em seguida, concluiu: “Os piores inimigos de uma pessoa estão dentro da própria casa, explica o texto sagrado. Ora, sem importar a cidade ou com quem sem mora, em essência, cada um vive em si mesmo. Mora e convive com os seus sentimentos e ideias, alegrias e tristezas, frustrações e conquistas. Em mim, assim como em vocês, existe um universo personalíssimo em evolução. Os inimigos que atrapalham, prejudicam e o impedem de prosperar são as incompreensões do próprio indivíduo. Ninguém mais. A incapacidade de interpretar as situações, elaborar as experiências, de reagir aos acontecimentos e fazer escolhas diferentes furtam as maravilhas da vida. Não é nada contra ninguém. É cada um consigo mesmo. Sempre será. Qualquer outra guerra será desvio de propósito a negar a verdadeira batalha. Este é o sentido do texto quando fala em pôr os pais – como metáfora aos velhos vícios comportamentais – contra os filhos – uma alegoria à inovação e à regeneração pessoal. Nos ensinamentos do grande mestre não há uma única palavra sobre a necessidade em derrotar os outros, de que o mel da vida ou o Reino de Deus dependa daquilo que nos fazem ou permitam fazer. Em síntese, a vitória não consiste em vencer ninguém, salvo a si mesmo. A consagração da conquista reside na transformação interior. Os efeitos deste aperfeiçoamento reverberarão no jeito de ser e viver do viajante através da estrada do tempo. Um método seguro de superação e avanço, autonomia mental e emocional, leveza e suavidade, equilíbrio e força de movimento. Não existe outro campo de batalha para quem viaja rumo à luz. Tampouco, vitória maior”.

Por fim, concluiu com a terceira interpretação da mensagem sagrada: “No contexto desse texto, mestre Jesus alertava aos apóstolos sobre os problemas que encontrariam no convívio com outras pessoas. Vivemos em um planeta de desafios e superações. Fundamentais à evolução, os relacionamentos são fontes inesgotáveis àqueles que têm sede em se aperfeiçoar. Tornarem-se mensageiros da luz não os deixaria à salvo das dificuldades do mundo. Haveria controvérsias, provocações e agressividade. Contudo, que não se acovardassem: Não tenham medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Explicava sobre o tamanho dos desafios, sempre equivalente ao valor das superações. Que não negociassem a verdade nem fossem ingênuos: sejam espertos como as serpentes, porém, mansos como as pombas, orientava em outro momento da mensagem. Em outras palavras, que ficassem atentos ao mal para não sucumbir as suas armadilhas, sem jamais o usar como instrumento de vida. O grande truque do mal é fazer com que a maldade do mundo sirva de justificativa as nossas más ações e reações, uma eficiente maneira de nos manter distantes da luz. Enfim, esclarecia que a paz não está no mundo. Trata-se de uma conquista da alma”. Perguntamos quais das interpretações preferia. Ele deu de ombros e pontuou: “Elas não se anulam ou se excluem, porém, se completam”.

O tempo passara. Sentados à mesa na cantina do mosteiro, Valentina e eu, rememorávamos aquela aula. Comentávamos sobre as conquistas alcançadas, assim como as dificuldades nas quais ainda sucumbíamos. Em alguns aspectos, não tínhamos conseguido sair do lugar. Saber aonde ir não basta para fazer chegar. Confusões e desconfortos do cotidiano ainda nos negavam a paz. O bom combate estava distante do fim. Tentávamos entender o que impedia essa importante conquista. “O desconhecimento sobre a fé”, murmurou o Velho. Como estávamos de costas para a porta, não o vimos entrar. Enquanto se municiava com uma caneca de café, ouviu parte da conversa. O suficiente para entender as nossas dúvidas e dificuldades. Sentou-se à mesa conosco e comentou: “As virtudes são valiosas armas na luta em prol da própria evolução. Dentre todas, a fé é uma espada bem diferente das demais. Se me permitem uma imagem de ficção, seria uma espécie de Excalibur na luta travada pela luz contra as sombras, sendo o âmago do próprio indivíduo o sagrado campo de batalha”. Discordei. Não que eu não concordasse com o poder da fé, mas sobre o alegado desconhecimento quanto ao seu significado. O conceito de fé era notório. E, em maior ou menor grau, a fé era inerente a todas as pessoas. Até os ateus, desde que possuíssem profunda confiança em suas capacidades de realização, também eram dotados de fé. Valentina disse pensar da mesma maneira. O Velho nos olhou com candura e ponderou: “A perda do real significado de um conceito enfraquece a sua força e alcance. O motivo é simples. Basta imaginar como um mecânico terá o trabalho limitado se não souber usar uma das mais importante ferramentas à sua disposição na oficina”. Depois, perguntou: “O que vocês entendem como fé?”. Falei que era a crença absoluta em um poder maior e incomensurável. A partir do momento que estávamos alinhados aos propósitos desse centro de força, tínhamos os movimentos impulsionados e auxiliados. A monja acrescentou que a fé servia à conexão com o sagrado, uma ponte de interação aos planos superiores de existência. O bom monge franziu as sobrancelhas e murmurou: “Não está errado, mas também não está de todo certo”. Bebeu um gole de café e pontuou: “Esse desconhecimento faz desperdiçar boa parte do esforço empregado no bom combate”.

Depois de tantos estudos, aulas e livros ele vem nos dizer que não sabemos o autêntico significado da fé? Que as multidões também ignoram o melhor conceito e, com isto, desperdiçam o poder incomensurável oferecido por essa incrível virtude? Inquietos, confessamos que tínhamos dificuldade em acreditar que algo tão comum e corriqueiro na vida de todas as pessoas restasse incompreendido. O Velho ponderou: “Quando alguém acredita ser capaz e se mostra disposto a fazer, o campo energético pessoal de modifica em prol da realização. Atingir o resultado desejado dependerá de imponderáveis fatores, nem sempre alinhados à vontade do indivíduo. Lembrem que no Universo outros movimentos são executados simultaneamente, nem sempre no mesmo sentido ou com igual propósito. Muitas vezes o ganho está no fracasso de um objetivo, pois, reside nas lições e no amadurecimento oferecidos. De certo é que conseguirá ir muito mais longe de quem nunca acreditou ou não se colocou por inteiro na tarefa. Embora de inegável valor, acreditar é apenas o degrau inicial da fé”. Bebeu um gole de café e salientou: “O erro crasso quanto a fé está na crença comum por um determinado resultado sem a realização de nenhum movimento. Apenas acreditar que algo se realizará porque se tem uma crença é a antítese da evolução. Não acontecerá”. Valentina perguntou se poderíamos considerar a oração como um movimento. O Velho esclareceu: “Sem dúvida. A oração é um valioso canal de comunicação com as esferas sublimes, servindo de amparo e revigoramento, seja para restabelecer o equilíbrio energético e o fortalecimento moral, seja quando a solução está além da capacidade de realização do indivíduo. Contudo, jamais substituirá os devidos movimentos mentais, emocionais e físicos possíveis à concretização do resultado. A oração é uma ferramenta, nunca uma fuga”.

A partir daquelas palavras, Valentina questionou se a fé era uma espécie de movimento. A crença na realização despertava a vontade, contudo, algo mais precisava para intensificar a atuação da fé. O Velho sorriu, disse sim com a cabeça, e pontuou: “Mover-se através da fé é trazer à tona o sagrado que nos habita. Assim, alcançar resultados até então impensados. Em suma, fé também significa ação. Não uma ação qualquer, mas um movimento diferenciado e, acima de tudo, em pleno alinhamento com a luz”. Valentina indagou o que seria um movimento diferenciado. O bom monge esclareceu: “Estar por inteiro na ação. Se o indivíduo estiver inseguro, com dúvida ou medo a fé restará fragmentada. Mente, coração e corpo precisam se movimentar como se a vida dependesse daquele resultado. Mesmo que o resultado não ocorra, a ação moverá a consciência a um olhar nunca alcançado. Isto se chama lucidez, a capacidade de encontrar portas onde antes só havia muros instransponíveis. Esta é uma das razões pelas quais o mestre afirmou que a fé move montanhas. O mundo e a vida se modificam à medida que pessoa compreende a si e a todas as coisas de maneira diferente. O resultado obtido nem sempre será aquele desejado de início, mas inevitavelmente oferecerá uma inusitada solução libertadora”.

Comentei que compreender a fé como um movimento real dentro de si para se manifestar em realizações de vida me parecia estranho. Valentina compreendia as ideias do Velho melhor do que eu. Ela me corrigiu: “Não há nada de estranho. Em verdade, é revolucionário, pois, muda por completo o modo como lidamos com essa poderosa ferramenta de transformação. Fala sobre poderes que nunca ninguém ensinou a usar com tanta clareza”. Pedi para que explicassem melhor. O bom monge foi didático: “Em diversos textos sagrados, como o Livro de Mateus, os Salmos, o Apocalipse de João ou as cartas de Paulo, nos é ensinado que a cada pessoa será entregue conforme as suas obras. Ora, em nenhum momento falam que receberemos segundo nossas crenças. As obras são as realizações materiais e imateriais de cada pessoa. Tanto o bem como o mal praticados. As realizações pessoais se traduzem através de movimentos no âmago e deslocamentos pelo mundo. Fé sem ação é virtude vazia. Não tem nenhum poder ou alcance”.

Valentina sorriu ao me ver desconcertado. Era como se a minha casa, que eu sempre considerara bem arrumada, de um momento para outro mostrasse desordem até então ignorada. Perguntei como fazer os movimentos corretos para ativar a fé. O Velho balançou a cabeça aprovando o questionamento e esclareceu: “As prioridades. A crença é o primeiro degrau, os movimentos são o segundo, sendo as prioridades o terceiro elemento indispensável a restaurar a força da fé, um poder perdido na noite dos tempos”. Bebeu mais um gole de café e explicou: “Comece por entender as prioridades. Elas se erguem sobre dois alicerces: a ética e a bagagem. A ética, escrita pelas letras do amor e da sabedoria, ensina a discernir o bem do mal, a distinguir o certo do errado. Uma tarefa nem sempre fácil diante da complexidade das situações ou dos interesses e sentimentos em jogo. As virtudes são engrenagens fundamentais à aplicação da ética. Não se vive a ética fora das virtudes. Humildade, simplicidade, compaixão, sinceridade, mansidão, abnegação, delicadeza, coragem, entre outras, são atributos da genuína nobreza e essenciais à luz”. Fez uma pequena pausa antes de continuar: “O outro pilar das prioridades é a bagagem. Tudo aquilo que levamos conosco para o próximo trecho da jornada. O conteúdo da bagagem define o próximo destino da viagem, suas delícias e dificuldades. Acima de tudo, as prioridades falam do patrimônio necessário a quem quer acessar as Terras Altas. Os textos sagrados são abundantes em alertar sobre a importância das prioridades. Priorizar o essencial para deixar o supérfluo em segundo plano é parte da arte da evolução. O essencial nos conecta à luz e aperfeiçoa o conteúdo da bagagem. Preste atenção em alguns trechos do Sermão da Montanha:  Não acumulem riquezas do mundo, onde as traças e ferrugem destroem, os ladrões arrombam e roubam. Ao contrário, ajuntem riquezas morais e amorosas, as quais traças e ferrugens não podem corroer, nem os ladrões podem subtrair. Onde estiver as suas riquezas, estará a alma de vocês.  Percebam que o maior dos mestres ensinava sobre a importância do conteúdo da bagagem. Na mesma mensagem, um pouco mais à frente, volta a orientar: entrem pela porta estreita das virtudes, a porta larga é o caminho fácil para o erro, o vazio e o desperdício da vida. As prioridades elevam o nível das escolhas. O conteúdo da bagagem estabelece a luz ou a escuridão de onde está a alma. Ela nos mantém no raso ou nos conecta à eternidade. O grau de intensidade da fé não se mede pelo ardor da crença, mas por quem você é, pelas obras realizadas e a luz que já consegue reverberar. Cada parágrafo lembra da importância de nortear as escolhas pelos critérios a valorizar os interesses da alma. Enfim, as prioridades direcionam e intensificam o poder da fé ao máximo. Então, como a autêntica espada confeccionada na forja sagrada ao bom combate, a fé se manifesta com todo esplendor e poder. As prioridades definem o nível de comprometimento do indivíduo com a luz, com a evolução e com o divino. São com escolhas deste naipe que a fé impulsiona e agiganta de modo inimaginável. Uma pessoa franzina se mostrará mais forte do que outra de maior estatura e robustez. Não me refiro à agressividade, mas a força de movimento para ir além de quem sempre foi e a realizar o que nunca fez. A fé é o centro de força transformador da realidade individual”.

Ficamos algum tempo sem dizer palavra. Eu precisava alocar aquelas ideias nas prateleiras da razão. Voltamos a conversar quando o Velho disse que precisava ir. Alguns afazeres no mosteiro o esperavam. Coloquei a mão sobre o seu braço como maneira de pedir que esperasse mais alguns instantes. Em seguida, elenquei os três degraus da fé: acreditar, agir e priorizar. Argumentei que as prioridades deveriam vir na frente como orientadoras dos movimentos. O bom monge concordou com a cabeça e acrescentou: “Como em um organograma, as prioridades estão no degrau mais alto em função da sua importância direcionadora. Contudo, há uma relação simbiótica entre elas. Sem a crença, as ações restam enfraquecidas ou nem mesmo acontecem. Sem os devidos movimentos, a crença nada constrói. Sem o perfeito entendimento quanto as prioridades, os movimentos se tornam erráticos ou superficiais. Distante das prioridades, as crenças conduzem os movimentos rumo ao precipício do desespero, fanatismo e frustração. Então, não será a verdadeira fé nem haverá nenhuma evolução”.

Ele pediu licença, se levantou e saiu. Comentei o motivo de ele ter esperado tanto tempo para nos ensinar algo tão importante como a fé. Valentina sorriu e apontou para o Velho com o queixo. Ele ainda se dirigia à porta da cantina. Ela ponderou: “Naquela época não estávamos prontos para entender toda a dimensão e poder da fé”. Sem demora, explicou o raciocínio: “Note como ele caminha”.  Os passos do bom monge eram lentos, porém, seguros.

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