Uma forte melancolia me tomara de assalto. Fazendo uma retrospectiva da minha vida, concluíra que em várias situações eu não recebera das pessoas o carinho, o respeito e a gratidão que fizera por merecer. Amigos me viraram as costas, fui alvo para zombarias de familiares, sócios me enganaram, tive o amor traído por quem muito me dediquei. O saldo das experiências vividas era negativo. Eu estava mal. Era necessário reverter a espiral descendente de ideias e sentimentos que me dominavam. Do contrário, restariam somente ruínas. Decidi ir a Sedona, nas montanhas do Arizona. Cheguei num sábado, pela manhã. Canção Estrelada estava sentado em uma poltrona debaixo do carvalho frondoso que havia no quintal. No gramado em frente, mantas coloridas foram estendidas para acomodar dezenas de pessoas que chegavam para ouvir as histórias ancestrais que guardavam a filosofia esquecida de um povo. Algumas famílias vinham de cidades próximas. Traziam os filhos e compartilhavam os lanches. Era um lindo cerimonial de cura. O conhecimento, quando aliado ao amor, tem o incrível poder de cicatrizar as feridas da alma. Quando me viu ao longe, o xamã me ofereceu um sorriso de acolhimento. Dada a tristeza que me assolara, aquele sorriso foi como pão entregue a um mendigo. Embora não me faltassem condições materiais, havia um vazio interno que me tornava um miserável. Ao notar em meu semblante as angústias da minha alma, o seu olhar se mostrou preocupado. Fez um sinal com as mãos para eu me sentar ao seu lado. Foram gestos simples, porém, preciosos. A sincera demonstração de alegria ao me ver e o cuidado de me ter por perto me fez sentir importante num momento que eu me considerava sem nenhum valor. Nunca os esqueci.
O gramado estava lotado. Canção Estrelada esperou que ficassem em silêncio. Era necessário para ouvir a voz em tom baixo e timbre rouco do xamã. Ele agradeceu a presença de todos e começou a narrar: “Em uma aldeia cuja história se perdeu nas noites dos séculos, havia um jovem aspirante a guerreiro que não se enquadrava nos padrões estabelecidos pela tribo. A maior glória concedida a um jovem era a sua consagração como guerreiro. Não havia atribuição mais valorizada. Defender a aldeia dos perigos e das invasões, assim como a sustentar com a caça, eram as funções de um grupo seleto de homens admirados e respeitados. Nahimana, como se chamava, era o único filho de Wakanda, um dos mais bravos e celebrados guerreiros da tribo. Muitas eram as lendas em torno dos seus feitos. Ele não admitia a hipótese de o seu filho amado não dar continuidade à tradição da família. Contudo, desde menino, Nahimana não gostava de lutar ou caçar. Apreciava a música; era um exímio flautista. Tinha interesse no manejo das ervas e raízes, mormente as curativas. Estava sempre disposto a ajudar as pessoas em seus afazeres. Gostava de passar os dias junto aos anciões, ouvindo histórias e conversando sobre as coisas do céu e da terra. Entretanto, Wakanda tinha a convicção que os interesses do jovem mudariam com o tempo”.
O xamã interrompeu a história para uma breve explicação: “Naquela época, os ritos de passagem da infância à maturidade eram marcados por rituais específicos, realizados para testar a coragem e a capacidade de decisão dos jovens diante de situações limítrofes e perigosas. Aos aprovados, a glória de serem aceitos entre os bravos guerreiros da tribo. Aos reprovados caberia o dever de servir àqueles e à aldeia na realização de tarefas consideradas menores. Nos dias de hoje, em alguns aspectos, a conquista da maturidade ainda traz muita dificuldade e requer melhor entendimento. Os ritos de passagem continuam presentes na vida de todas as pessoas. No entanto, os rituais são inusitados e acontecem sem aviso ou data marcada. Cada indivíduo sabe o fato que o fez amadurecer e se tornar adulto. Para uns, a transição foi gradual e tranquila; para outros, repentinas, abruptas e até mesmo dramáticas. Há inúmeras situações em que meninos e meninas se tornam homens e mulheres no transcorrer de uma única noite. Todas as experiências que nos conduzem à plena responsabilidade por quem somos registra esse rito de passagem. Cada um sabe ou saberá do seu. Alguns crescem e avançam em si mesmo, outros sucumbem diante das dificuldades sem jamais alcançar a maturidade. Existe quem se assuste e jamais aprenda a lidar com a responsabilidade; há quem, embora não as tema, não se enquadre a um modelo social predeterminado de comportamento. Tampouco sabem fazer valer as individualidades que os iluminam. Sem a validação do grupo que os rodeia, se sentem perdidos ou abandonados. Acabam por rejeitar as suas características pessoais. Negam-se. Assim, abdicam de uma grande parcela da sua força de movimento. Por duvidarem dos próprios dons, capacidades, talentos e, principalmente, por desconhecerem a beleza da singularidade que os define, se tornam menos quando poderiam ser mais. Quando acontece, em ambos os casos, o vazio se instala”.
Em seguida, retornou com a narrativa: “Após quinze equinócios, chegara a hora do rito de passagem da Nahimana. Junto aos demais jovens da sua idade, seria conduzido por um grupo de guerreiros até um local onde suas habilidades seriam postas à prova. Montados a cavalo, galoparam por todo o dia até que ao final da tarde foram deixados dentro de uma floresta escura no alto de uma montanha. Na manhã seguinte teriam de retornar à aldeia. Aquele lugar era chamado de Hihilama, que no idioma nativo significava engolidor de guerreiros. Acamparam, mas permaneceram atentos. Sabiam que o perigo se avizinhava. Todos mantiveram as suas lanças, arcos e flechas sob o alcance das mãos. Com a chegada da noite, a pequena fogueira que fizeram para espantar o frio atraiu um enorme urso faminto. O primeiro rapaz atacado, sem chance de se defender, ficou gravemente ferido. Outros três mostraram a coragem e a habilidade necessária para contra-atacar em formação de triangulo, fazendo com que o animal passasse do ataque à defesa. Temeroso e assustado, Nahimana se escondeu da luta. Após uma batalha de intermináveis instantes, o urso se dobrou ao ser perfurado por uma lança. Duas outras terminaram o serviço. Passaram a noite se dedicando a esfola do animal. A pele do urso era o troféu das suas conquistas pessoais. Assim, os três partiram pela manhã rumo à aldeia. Não permitiram que Nahimana os acompanhassem. O seu comportamento não fora digno de um guerreiro. Quanto ao rapaz ferido, nada poderiam fazer; em poucas horas partiria para as Terras Altas; ofereceram uma prece de encaminhamento ao seu espírito e foram embora, não sem antes lançarem olhares de desprezo para Nahimana”.
“Ao chegarem, foram recebidos em festa pela tribo. Tratados como heróis, ressaltaram a valentia do rapaz atacado. Para tristeza de Wakanda, falaram da covardia do seu filho. O deixaram na montanha por não ser digno de cavalgar ao lado de guerreiros. Ele também seria útil para enterrar o jovem moribundo. Uma animada solenidade com música, comida, bebida e dança, em volta de uma enorme fogueira, foi realizada para consagrar os novos guerreiros. Algumas pessoas não tinham motivo para compartilhar da alegria dos demais. Destas, o mais abalado era o pai de Nahimana. Ele estava envergonhado pela postura do filho. Embora o amasse, se mantinha aprisionado às crenças, conceitos e valores da tribo que, naquele momento, o fazia desejar que o jovem nunca mais regressasse. Não suportaria vê-lo em outra função que não fosse cavalgando ao seu lado”.
“Passada algumas luas, numa manhã ensolarada, a aldeia foi surpreendida com a chegada Nahimana, que muitos apostavam que jamais retornaria. O jovem vinha a pé, puxando o cavalo pelas rédeas. Sobre o animal estava montado o rapaz considerado morto. Apesar de ainda ferido, sem condições de andar, estava fora de risco. Diante de uma tribo perplexa, ele contou que Nahimana o salvara. Ao invés de ir embora para evitar os perigos da floresta, preferiu ficar e cuidar dele. Teve a misericórdia de não o abandonar ao deleite das aves carniceiras. Pôs em prática os conhecimentos adquiridos sobre ervas e raízes para cicatrizar as graves feridas provocadas pelas garras do urso. Pediu para que a postura de Nahimana fosse reavaliada junto ao Conselho de Anciões, instância máxima da tribo, e que fosse consagrado como guerreiro. A sua coragem e valor tinham se mostrado sob outro formato”.
“Sem demora, um enorme burburinho se formou. Todos tinham suas opiniões sob o ocorrido, predominando a ideia de que, como o jovem se acovardara para enfrentar o urso, restara reprovado no rito de passagem. Assim determinava a lei da aldeia. Para assombração de todos, sem dizer palavra, Wakanda, o valente guerreiro, abraçou carinhosamente o filho, o tirou do apedrejamento de palavras e o levou para descansar em sua tenda. O semblante do grande guerreiro mostrava uma alegria imensurável, somente vista no nascimento do filho. Naquele dia, Nahimana renascera aos olhos do pai, capaz de compreender o que poucos ali conseguiram entender de imediato. Enquanto os três jovens tinham a pele do urso como troféu, Nahimana trouxera de volta o rapaz. Havia uma lição silenciosa para quem quisesse aprender”.
“Naquela mesma noite, em pronunciamento geral, o Conselho decidiu que, a partir de então, existiriam guerreiros de muitas espécies. Não apenas os que defendem e caçam, mas também aqueles que curam, cuidam, alimentam, constroem, ensinam, criam e mantêm. A aldeia precisava de todos. Sem distinção de valor ou importância”. Fez uma breve pausa antes de concluir: “Nahimana se tornou um curador, e com o passar do tempo, uma pessoa amada e respeitada, mesmo por aqueles que o desprezaram um dia. Com a sua atitude os fez entender que guerreiros não são apenas os que enfrentam a morte, mas todos aqueles que fazem a vida valer a pena”.
As pessoas ficaram emocionadas. Alguns por recordarem dos próprios ritos de passagem, quase nunca fáceis e sempre angulares. Outros, puderam lembrar ou se dar conta da importância e valor que tinham, mesmo quando foram depreciados ou menosprezados. Abraçaram os filhos. Abraçaram a si mesmos. Vi muitos sorrisos e olhos marejados. Aqueles que estavam prontos levaram consigo o antídoto para a dor que os corroía. Todos saíram melhores do que chegaram. Ou quase todos. Eu continuei do mesmo jeito. Assim funcionam os cerimoniais de cura.
Depois que todos se retiraram, fomos para a varanda. Sentado em sua cadeira de balanço, Canção Estrelada acendeu o seu cachimbo com fornilho de pedra vermelha. Esperou o fogo incendiar o fumo, baforou algumas vezes e se divertiu com a dança da fumaça na brisa suave da tarde. Em seguida, me olhou com seriedade. Sem que precisasse fazer qualquer pergunta, comecei a falar. Contei das minhas angústias, das percepções destrutivas e sentimentos tristes que me dominavam. Falei do enorme abismo em que eu havia afundado. Eu queria voltar à tona, mas não conseguia. Ele me ouviu sem nenhuma interrupção até eu me cansar dos próprios lamentos. Quando encerrei, após alguns instantes de silêncio, o xamã disse para eu acordar cedo no dia seguinte. Subiríamos a montanha para a realização de um cerimonial. Energias densas me envolviam. Uma limpeza se fazia necessária.
Pela manhã, conforme combinado, fomos na sua surrada picape até o sopé da montanha, onde a estrada de terra terminava. Dali subimos a pé por cerca de uma hora, até um platô com uma linda vista. Eu já estivera ali outras vezes. Era onde o xamã realizava alguns rituais. Estendemos as mantas e nos acomodamos. Ele acendeu um cadinho com ervas, cujo perfume se misturou aos aromas da flora local. Em seguida, rufou o tambor de duas faces em uma cantiga que clamava aos bons espíritos que afastassem as energias intrusas que me influenciavam, estreitando a mente em ideias estanques e agitando o coração com sentimentos desvairados. Fechei os olhos para me manter em oração. Passado um tempo que não sei precisar, da fogueira restou brasas, do som se fez silêncio. Assim ficamos por mais um par de minutos. Ele me perguntou como eu me sentia. Falei que me sentia um pouco melhor. Era verdade. Perguntei se estava curado. O xamã maneou a cabeça e explicou: “De jeito nenhum. As energias pesadas foram afastadas; não foram eliminadas; a qualquer descuido, retornam. Os bons espíritos ofereceram a ajuda possível. Cabe a você realizar a sua parte. Ninguém pode fazer por ninguém o que cada um precisa fazer por si mesmo”.
Falei que não tinha entendido. Canção Estrelada esclareceu: “Tudo no universo é afinidade. Ideias derrotistas e emoções aviltadas atraem energias de igual frequência. As incompreensões geram o desequilíbrio que instala um império de tristeza ou de revolta. A força indispensável aos movimentos internos, causa primária dos deslocamentos evolutivos pelo mundo, esmorece e os faz ficarem cada vez mais lentos até estagnarem por completo. Em síntese, esta é a origem do vazio que simboliza a sua existência no atual momento. Você se permitiu mergulhar no abismo por manter um padrão de pensar e sentir que o destrói um pouco a cada dia. Ao deixar de acreditar em si mesmo se afastou da própria essência. A sua luz de apagou. Ao se perder de quem você é, esqueceu de quem pode se tornar”. Fez uma pausa para ressaltar: “Nem pense em culpar algo ou alguém. Transferir responsabilidades apenas retarda a cura. Você está onde se colocou. Reencontrar a luz perdida é um movimento de reação intransferível, caso exista a sincera vontade de emergir de volta à tona da vida”.
Eu disse que precisava de ajuda, pois não sabia como fazer. O xamã pontuou: “Sempre há alguém disposto a oferecer a mão para nos colocar de pé. Contudo, não podem caminhar por nós. Ninguém pode. Do contrário, o processo evolutivo restaria desperdiçado. Quem sou me trouxe até aqui. Para avançar preciso me tornar uma pessoa diferente e melhor. A cada dia um pouco mais. Este é o Caminho. Impossível o atravessar fora da rota do autodescobrimento, da verdade e das virtudes. Esta engrenagem intrínseca se aperfeiçoa no passo conquistado”. Questionei como fazer para sair do lugar escuro que eu morava em mim mesmo nos últimos tempos. Canção Estrelada explicou: “Todo poder está na mente. Tanto da escuridão como da luz. O pensar destrói e constrói; corrige, cria e recria; esvazia e transborda; estreita e expande; estaciona e movimenta; nega e autoriza; encontra a verdade e vive a mentira. Por sua vez, o coração é o melhor aliado ou o pior inimigo da mente. O sentir aprisiona ou impulsiona o pensar; fragiliza ou fortalece o raciocínio; desajusta ou equilibra a razão”.
“A psicosfera do planeta é densa. Não há do que reclamar. Todos temos afinidades vibracionais com essa energia, assim como somos as suas causas. Vivemos entre incompreensões, revoltas e tristezas; crimes inconfessáveis, mentiras inadmitidas e mágoas perpétuas; desejos descabidos, ilusões de superioridade e emoções enfermiças. Se prestar atenção, na maior parte do dia a sua mente trabalha com ideias de insatisfação, aspereza e projeções de problemas. Irritações frequentes, intolerâncias crescentes e impaciência permanente irrigam um coração descrente. Confundimos orgulho com dignidade, vaidade com autoestima e subserviência com humildade. Impossível encontrar a paz numa mente povoada dessa maneira. Cada indivíduo cria a vida que tem. Vive a realidade que acredita. Gera a escuridão ou a luz de onde mora em si mesmo”. Indaguei como fazer para modificar essa frequência. Ele pontuou: “Escolha com que irá conviver”. Franziu as sobrancelhas e alertou: “Não me refiro as pessoas, mas aos pensamentos com os quais trabalha. A todo momento somos assaltados por ideias nocivas, sementeiras de conflitos e sofrimentos. Mantenha o filtro da consciência ativado para reter essa poluição mental. Descarte as ideias que não forem nobres, saudáveis e amorosas. Cada pessoa tem o poder de escolher as bases formadoras do universo que habita”. Comentei que parecia simples. O xamã sorriu resignado e ponderou: “Embora seja de simples compreensão, não é fácil abandonar velhos hábitos. Alguns estão há tanto tempo conosco que nos faz acreditar que vícios são virtudes e embaralham enganos à verdade”.
Argumentei que algumas pessoas e situações têm o poder de nos arrancar de quem somos. O xamã contrapôs: “As pessoas têm sobre nós o poder que concedemos a elas. Se permitir que nos destruam, acontecerá. Se compreendermos que nada nem ninguém apagará a nossa luz, também acontecerá. Para tanto, é preciso que mente e coração estejam devidamente alicerçados nas próprias ações e reações. Não somos o que sabemos, mas o que fazemos. A incoerência entre o saber e o fazer enfraquece e desequilibra pela angústia de nos deixar aquém de quem poderíamos nos tornar. O mal praticado pelos outros só nos atingirá enquanto vivermos na frequência do revide e do ressentimento. Os dividendos do mal pertencem a quem o utiliza. Cuide para que não sejam ferramentas das suas conquistas e prazer. Não existe enfermidade maior nem lugar mais escuro para morar”.
Canção Estrelada prosseguiu: “A contrapartida do mal é o bem. Não há gerador de maior força e equilíbrio do que a plena consciência de uma vida virtuosa. O bem praticado no silêncio enquanto o mundo arde em ruídos é a prova viva e os pilares da construção de si mesmo. Ainda que ninguém reconheça, não importa; você sabe. Prédios bem erguidos se sustentam nos próprios alicerces sem jamais desabar. Todo movimento de amor, por mais simples que seja, é capaz de oferecer luz para tirar alguém da escuridão. Um sorriso, um abraço, uma palavra, um par de mãos. Há outras maneiras e muito mais. As possibilidades de resgate são infinitas e os momentos se apresentam inúmeras vezes ao longo dos dias. Fique atento para aproveitar. Fazer a diferença na vida das pessoas enraíza o poder da mente e traz alegria ao coração. Refina a percepção, aguça a sensibilidade. A consciência se expande. Amamos mais e melhor. Avançamos. Desgrudamo-nos das pesadas vibrações planetárias”.
Eu me esforçava para acompanhar a sua fala tranquila de raciocínio veloz. Ele me pediu atenção: “Ainda não acabamos”. Fez uma pausa antes tocar noutro ponto nevrálgico: “Você se perdeu de si mesmo no esbarrão de um dia qualquer. Algo ou alguém o tirou do prumo porque você permitiu. Ao invés de se centrar nas próprias virtudes e dons, se deixou levar pelas águas dos acontecimentos e despencar na cachoeira das opiniões como uma canoa abandonada à margem do rio. Jamais se deixe carregar. Seja o leme e os remos da sua própria vida. Eles estão na mente; eles são a mente”. Deixou o olhar vagar pela bela paisagem e finalizou: “Não seja orgulhoso, mas nunca permita que lhe convençam de nenhuma incapacidade. Nem mesmo você. A mente tem poder para aceitar e rejeitar. Dependerá unicamente das ideias com as quais decidir conviver. A humildade não traz no âmago o conceito de inferioridade, mas de crescimento. Reencontrar consigo passa necessariamente por entender a grandeza em ser diferente de todos. Não me refiro a brilhar, mas em ser luz. Para tanto, faça a diferença na vida de quem encontrar pelo caminho. Mude o dia de alguém sem exigir nada de ninguém. Faça disto um hábito. O jardim da nossa casa somente germina à medida que semeamos flores nos quintais áridos do mundo. Inexoravelmente”.
Em seguida, concluiu: “Enquanto você não entender e aceitar aquilo que o faz diferente, carregará a sensação de que algo está faltando. Quando conseguir amar a diferença que o traduz, transcenderá”.
Fiquei sem dizer palavra por algum tempo. Eu precisava metabolizar aquelas ideias, fazer com que se integrassem a um novo padrão de pensar e sentir. Porquanto, de ser e viver. Assim acontecem as transformações. Do contrário, não passarão de meras maquiagens. Acreditei que o cerimonial estivesse encerrado. O remédio tinha me sido entregue. Cabia a mim realizar a cura necessária. Falei isso para Canção Estrelada. Ele arqueou os lábios em sorriso. Anoitecera. Era hora de descer a montanha. Estava escuro. O xamã pediu para que eu confeccionasse uma tocha enquanto ele acendia uma pequena fogueira. Depois, falou: “Sempre haverá onde acender a própria luz. No entanto, cada um deve fazer isso por si mesmo. A luz alheia é causa de auxílio, nunca de dependência”. Num gesto simbólico registrou a lição derradeira ao me fazer acender a tocha que eu tinha na mão e, assim, iluminar o meu caminho de volta para casa. “Este é o movimento da vida”, finalizou.
Naquele dia eu entendi o alcance de um cerimonial de cura. Assim como Nahimana, aprendi a valorizar o que havia de diferente em mim. Nisto reside a beleza de cada pessoa. Temos igual valor sem sermos iguais. Este entendimento me fez enxergar a beleza de todos. Assim como Nahimana, aprendi a usar o que em mim existe de diferente para fazer a diferença na vida de outras pessoas. Foi quando comecei a entender sobre o poder que sempre pertenceu a mim, a você e a todos. O homem que subiu a montanha era diferente daquele que desceu.
2 comments
Lindo demais ❤️
Sinto enorme poder de paz nas histórias de Yoskhaz
Gratidão por partilhar conosco tamanha sabedoria