MANUSCRITOS II

Lei das infinitas oportunidades

 

O Velho, como carinhosamente chamávamos o monge mais antigo da Ordem, já tinha me falado do código não-escrito, um conjunto de leis universais que regula a vida em diversos planos da existência e que sujeita o destino de todos. O entendimento de como funciona essas regras amplia a consciência, afina as escolhas e pavimenta o Caminho. Já tínhamos conversado sobre a lei dos ciclos e a sua importância. Eu tinha ouvido falar da existência das leis da evolução, da afinidade, da ação e reação, entre outras. Na primeira vez em que tornei a ficar a sós com ele, eu quis saber mais sobre a lei das infinitas oportunidades. O Velho estava ao fogão, preparando uma sopa de cogumelos frescos, uma iguaria famosa no mosteiro. Sugeriu que eu o auxiliasse enquanto ele cozinhava: “A alquimia nasceu na cozinha”, falou de jeito gaiato. Em seguida começou a explicar: “Talvez nenhuma outra lei seja tão clara para demostrar a incomensurável generosidade da vida e a enorme sabedoria do universo. Ela fala dos nossos erros e do amor com que somos tratados”.

Pediu para que eu cortasse algumas cebolas e prosseguiu: “O código não-escrito regula o processo evolutivo de cada um de nós, impondo a exata lição para a qual já estamos aptos. A premissa inicial é que a razão da existência, neste plano, é a evolução espiritual. Em suma, estamos aqui para evoluir. Perceber isto é um bom começo, pois permite entender que os mestres estão disfarçados e nos aplicam os devidos ensinamentos através do nosso convívio com os outros e pela maneira como reagimos diante dos conflitos enfrentados. Este é o método desta universidade, não há outro”.

“No entanto, nem sempre nos portamos como bons alunos. Trazemos uma bagagem repleta de condicionamentos culturais, sociais e ancestrais que pode até ter sido útil lá atrás, em infância anterior do espírito, mas não serve mais. Permitir a renovação de conceitos, ideias e atitudes nem sempre é fácil. Temos que enfrentar os outros e a nós mesmos. Porém, temos que evoluir. Para isto, é indispensável que visitemos os porões escuros da própria alma, fortemente vigiados pelo ego e o seu exército de sombras. Ignorância, medo, egoísmo, ciúme, ganância, inveja, entre outras, são soldados de uma tropa primitiva que tentará te convencer do risco e da bobagem de se lançar em voo na busca por uma nova realidade, por um jeito diferente do ser e de viver”.

“Iluminar cada um dessas sombras é a grande batalha da vida. Não as sombras alheias, mas aquelas que estão dentro de você”. O monge apontou o dedo para o próprio peito e disse: “A guerra não é travada lá fora, mas aqui dentro”. Deu uma pequena pausa, me entregou o alho para descascar e continuou: “Um mergulho profundo e sincero dentro de si mesmo, para se conhecer de verdade é o segundo passo essencial. Só assim, lhe será permitido entender as crostas que precisam se lapidadas para que a sua luz possa brilhar com toda a intensidade. Entender quem somos, de verdade, nos torna mais tolerante para com todos. Afinal, como exigir a perfeição do mundo se não a temos para oferecer? Então, o andarilho passa a ser mais exigente consigo mesmo, ao mesmo tempo em que se torna mais paciente com os outros, pois percebe como funciona a escola de luz. Sabe que cada qual apenas pode dar o que já traz na bagagem sagrada, o coração”.

“Aprender cada uma das lições exige, a cada dia, uma dose maior de amor e sabedoria. Porém, não basta conhecer, é preciso vivenciar a lição. Não raro, sabemos mais do que somos. Então, as mudanças. Afinal, não existe evolução sem transformação. Transformar-se significa deixar para trás uma parte do que é seu, uma parte do que você é, para que um novo ser se revele e manifeste. Ser você mesmo, mas não ser mais quem era ontem; e, amanhã, continuará a ser você, porém, será ainda outro. Diferente e melhor. Lagarta e borboleta. Está confuso”?

Eu balancei a cabeça dizendo que não, o monge prosseguiu: “Isto não é fácil e as suas sombras tentarão, a todo custo, impedir a ousadia da próxima mudança. Elas, por uma questão de sobrevivência, precisam impedir o movimento, travar o avanço. As sombras se alimentam da estagnação. Tentarão iludir que o mais seguro é deixar como está e que as Terras Altas não passam de uma utopia pueril. Essa é a função delas. No entanto, quanto mais poder elas tiverem sobre você, mais lenta será a sua evolução. Logo, mais duras se tornarão as lições, mais esburacado ficará o Caminho”. Olhou para mim e perguntou: “Entende agora quando digo que o sofrimento é uma escolha”?

Falei que parecia um absurdo pensar que alguém pode optar pela dor, mas começava a entender que o sofrimento é fruto de decisões equivocadas, ainda arraigadas no ser, que teimoso em seu orgulho, se nega a fluir e, no fundo, tem medo de errar. O Velho fez sinal para que eu lhe passasse o tomilho e disse: “Então, chegamos ao erro, este antigo companheiro de jornada. O erro faz parte da história de todos nós e pode ser um aliado ou um vilão, depende apenas da maneira como você irá tratá-lo. Ele pode ser fonte de conflitos com graves e longas consequências ou um bom mestre a indicar o que deve ser modificado em suas ideias e atitudes, sinalizando a mudança de rota para que passe a trilhar o lado ensolarado da estrada. Isto vai depender de quanto amor já floresce em seu jardim. Percebe que a cada escolha lançamos no solo sagrado do coração uma semente de sombras ou de luz”?

O monge arqueou os lábios em leve sorriso e continuou: “Mas chegar até aqui não foi fácil. Foram muitos erros e não pouco sofrimento. Mágoas e decepções tiveram que ser superadas, a flor do perdão teve que brotar para que a doce fruta da alegria germinasse”. Deu uma pausa longa, seus olhos ficaram perdidos além das janelas da cozinha, como se o filme do passado voltasse à sua tela mental. Depois falou: “Erramos muito, erramos todos. Sem exceção. Cada erro sinaliza a próxima lição; cada qual com os seus erros e suas lições”. Tornou a dar uma pausa e falou como se falasse consigo mesmo: “Erramos, erramos, insistimos no erro e a vida não desiste de nos fazer melhores. Então, entendemos o incomensurável amor do Universo por jamais nos abandonar. Por insistir em nossa evolução, por nos oferecer as ferramentas para sair da escuridão e conhecer a luz da vida com todas as suas cores, permitido as asas para o fantástico voo sobre os vales sombrios das lágrimas. Para tanto, nos oferece infinitas oportunidades”.

“É a maior prova e mais valiosa lição de amor que alguém pode conhecer”.

Discordei. Falei que em razão de decisões equivocadas do passado, eu tinha desperdiçado, em diversas ocasiões, muitas oportunidades em minha vida. E elas não retornaram. O Velho franziu as sobrancelhas, como sempre fazia quando ficava mais sério, e explicou: “Claro que você as teve e as terá de novo, sempre. Não necessariamente da mesma maneira. Entenda que as oportunidades se revelam na exata medida das suas necessidades, não dos seus desejos. Lembre-se que o Universo é generoso, porém justo. As oportunidades estão sempre de acordo com a vontade e a capacidade do aluno para entender e se transformar, não na aparência, mas em sua essência. Esqueceu que as lições endurecem na medida da recusa do aluno em aprender? Fazer com que o andarilho compreenda a perfeita justiça é parte necessária para torná-lo uma pessoa melhor. E, acredite, isto não é tão fácil como parece. Todos se acham justos, mas poucos conhecem o poder do amor. Como, então, entender a verdadeira dimensão da justiça? Da mesma maneira que não se desiste de um filho, não se separa a justiça do amor. Esta é uma das lições mais preciosas do Caminho”.

“A lei das infinitas oportunidades fala da importância do aprendizado e das transformações como alavanca para a evolução. Nos ensina, também, o valor da paciência, a grandeza da tolerância, a beleza da misericórdia, a magia do perdão como estrada para a verdade e a justiça. Então, percebemos que o amor é o barco e também o cais. Alguns mais rápido, outros bem mais devagar, porém todos, cedo ou tarde, completarão a travessia. Ninguém será esquecido. Ninguém ficará abandonado no Caminho”.

O Velho se calou por instantes e com a colher de pau deixou pingar um pouco de sopa nas costas da mão para saber se estava bem temperada. Aprovou o sabor com um sorriso e disse: “O amor é o sal da vida”.

Tornou a dar pequena pausa, piscou um dos olhos como quem conta um segredo e finalizou: “O amor é a linguagem de Deus, Yoskhaz. Não existe outra”.

12 comments

Mauricio maio 20, 2016 at 11:40 am

Querido, Yoskhaz!

Gostaria muito de agradecer mais uma vez por suas palavras, elas tem o verdadeiro poder de levar alegria e semear o amor em nossos corações. Elas iluminam nossos passos no Caminho.
Desde o primeiro texto que li (O sentindo da vitória), me encantei! Não parei mais. Sempre venho aqui prestigiar e reler esses grandes ensinamentos que são passados através da palavra, através da compaixão e da sua dedicação em nos escrever. Quando me sinto sozinho ou vejo que tenho dificuldades em iluminar as sombras eu converso com o Velho, o Canção Estrelada ou Loureiro, fecho os olhos e procuro imaginar as histórias, então me sinto mais vivo, mais capaz de evoluir meu espírito e assim avançar no Caminho e sempre que possível transmutar seus ensinamentos aos meus amigos, familiares e pessoas que queiram receber todo esse amor.
Amo você, amigo!

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Fátima maio 20, 2016 at 11:50 am

Sim…O Amor é a linguagem de Deus! Profunda gratidão por mais um belo texto compartilhado.

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Miquelyna maio 20, 2016 at 4:04 pm

Seus textos são temperos para a Evolução!!

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Christina Mariz de Lyra Caravello maio 20, 2016 at 4:14 pm

Nosso grupo de amigas resolveu comemorar os quarenta anos de nossa convivência e amizade. Fui encarregada de preparar o jantar. Elaborei um cardápio e fui comprar todos os ingredientes. Não tinha tudo que eu queria, mas substituí por outra coisa, mas não disse nada para elas.

Comecei a preparar de véspera. E nem tudo estava correndo como eu queria. Certas especiarias, que já tinha em casa, quando fui usá-las, ou tinham passado da validade ou estavam mofadas. Por conta disso, telefonei para minha avó para perguntar como poderia substituí-las. Deu-me várias soluções e ainda sugeriu outras alternativas de pratos com o que eu dispunha em casa. Minha avó era uma excelente cozinheira. Fiquei um pouco receosa porque não estava segura de mim mesma para tentar fazer o que não sabia. Aventurar.

Mas comecei a elaborar o cardápio e usei as alternativas de especiarias. Quando provei, fiquei maravilhada com o novo sabor. Elas iriam adorar. Mas nem tudo foi fácil e nem correu como eu queria. Um dos pratos que estava no forno passou um pouco do ponto e quase queimou porque fui distraída por uma vizinha fofoqueira e invejosa que apareceu , entrou em minha cozinha e quis saber o quê e porquê estava cozinhando. Parecia que estava querendo me atrapalhar de propósito. Eu querendo despachá-la , mas só a muito custo consegui quando o cheiro do assado já estava assustador. Tive que improvisar um molho diferente para modificar o gosto e inventei com o que tinha em casa.

O restante do cardápio foi feito sem nenhum susto ou impossibilidade. Só coloquei mais um pouco de sal em alguns pratos para avivar mais o sabor. Acho que estava tão feliz com a perspectiva de nosso encontro, a gente se gostava tanto, que cozinhei com o maior amor, antegozando o prazer que todas sentiriam com a delícia que ficou a comida.

E em nossa vida acontece a mesma coisa. Os imprevistos acontecem, muitas vezes há a necessidade de mudanças.
“Virão as mudanças. Afinal, não existe evolução sem transformação. Transformar-se significa deixar para trás uma parte do que é seu, uma parte do que você é, para que um novo ser se revele e manifeste. Ser você mesmo, mas não ser mais quem era ontem; e, amanhã, continuará a ser você, porém, será ainda outro. Diferente e melhor. Lagarta e borboleta. Está confuso”?

Não é fácil desviar do caminho já conhecido, mudar o que, no seu entender já está consolidado e aventurar, temendo o que virá com a transformação. E, muitas vezes, embora sofrendo com interferências negativas, sabendo que está estagnado andando em círculos, permanece no mesmo lugar.

“Então, chegamos ao erro, este antigo companheiro de jornada. O erro faz parte da história de todos nós e pode ser um aliado ou um vilão, depende apenas da maneira como você irá tratá-lo. Ele pode ser fonte de conflitos de graves e longas consequências ou um bom mestre a indicar o que deve ser modificado em suas ideias e atitudes, sinalizando a mudança de rota para que passe a trilhar o lado ensolarado da estrada. Isto vai depender de quanto amor já floresce em seu jardim. Percebe que a cada escolha lançamos no solo sagrado do coração uma semente de sombras ou de luz”?

A vida nos oferece inúmeras oportunidades, inúmeros atalhos onde iremos conhecer a tolerância, o perdão, a misericórdia e principalmente o amor, que é o guia maior que sempre nos conduzirá para o lado ensolarado do Caminho.

“O amor é o sal da vida. É a linguagem de Deus, Yoskhaz. Não há outra.”

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Ana Paula Nóbrega da Fonte maio 26, 2016 at 8:55 pm

Gratidão infinita ao Universo e ao amor Divino, que nos oportunizam ter contato com tuas preciosas mensagens, querido Yoskhaz… Que a luz do Divino Espírito que te habita se propague pelos quatro cantos do mundo e que tua mensagem chegue a todos aqueles que desejam de coração iluminar os cantos escuros da própria alma.

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Regineide maio 27, 2016 at 9:35 pm

Querido Yoskhaz!

Obrigada pelas sábias palavras!!

O amor é o sal da vida! O amor é a linguagem de Deus!!

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Vanessa junho 1, 2016 at 6:43 pm

Obrigada por tão sábias e amorosas palavras!

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Joane Faustino Araújo julho 10, 2016 at 9:19 pm

Lindo demais emocionante e verdadeiro aprendizado evolutivo…Parabéns e obrigada alma iluminada Yoskhaz

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Irza de Andrade julho 12, 2016 at 9:03 pm

Irza
gostei muito da compreensão do amor e dos percalços da vida.
Estava precisando ouvir belas palavras e elas vieram.
Sou grata.

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Alzira julho 14, 2016 at 12:04 am

Yoskhaz orações diárias obrigado

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Elizabete Oliveira fevereiro 2, 2017 at 8:17 pm

E lindo demais, me encanto com cada palavra!

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MARIO SOHEI ISHIHARA maio 5, 2019 at 6:25 pm

Transformar sempre!

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