TAO TE CHING

TAO TE CHING, o romance (Sexagésimo sétimo limiar – A grandeza oculta)

Início do Século XIII. Final da tarde. O sol se punha. Entre vastos olivais, próximo a um rio de margens largas, se destacava um prédio simples, de apenas dois andares, todo construído em pedras. Parecia um mosteiro ou eremitério. Entrei. Um vitral permitia que os derradeiros raios solares daquele dia, auxiliados por um sem-número de velas, oferecesse as condições necessárias para que um frade, aparentando uns trinta anos de idade, continuasse a escrever. Ao perceber a minha aproximação, levantou a cabeça, me ofereceu um sorriso amistoso e voltou a se concentrar na tarefa a que se dedicava. Sentei-me ao seu lado sem nada dizer. Como se adivinhasse os meus pensamentos, falou: “Estou preparando o sermão de abertura para o capítulo de amanhã”. Antes que eu perguntasse, explicou: “Capítulo é como denominamos a reunião realizada para debatermos assuntos referentes ao convento e, também, para trocarmos ideias sobre as experiências místicas decorrentes das peregrinações e das práticas religiosas. São momentos interessantes por proporcionar oportunidades para o aprofundamento de questões pessoais e coletivas, permitindo expansões conscienciais, quando bem aproveitados. Trata-se de um dia repleto de alegrias pela reflexão e reavaliação dos acontecimentos vividos. Sejam as mudanças de rota vislumbradas, sejam as conquistas interiores alcançadas”. Ainda sem parar de escrever, acrescentou de modo despretensioso: “Gosto de misturar ciência e mística nos sermões. Ao contrário do que muitos imaginam, não são assuntos excludentes, porém, complementares. O sagrado se revela por intermédio dos atos corriqueiros do cotidiano, mormente se praticados com amor, no esforço sereno e sincero de superar dificuldades e aproximar corações, agindo de um jeito nunca ousado antes. No mais, à medida que avança, a ciência comprova a mística. Naquilo que a ciência ainda não consegue explicar, a mística nos permite vislumbrar a verdade, ainda que faltem números e equações matemáticas para a comprovar. Não preciso aguardar a afirmação científica de que o amor existe. A minha alma o sente. Isto me basta como verdade”.

Comentei que eu era um viajante em busca da verdade. O frade pontuou: “A verdade é o limite extremo conquistado pela sua consciência, que desconhece a última fronteira existente. Sempre haverá uma fronteira além da atual. A realidade adquire beleza e encantamento na medida que o viajante avança rumo à verdade em uma viagem que nunca termina”. Perguntei o que ele entendia como sendo realidade. Ele a definiu: “Realidade é a leitura de todas as coisas, pessoas e situações de acordo com a capacidade da sua consciência a cada instante. Logo, a verdade alcançada modifica a realidade por elevar os níveis de percepção e sensibilidade.  Ideias e sentimentos alteram a leitura da realidade no passo e compasso do seu aprimoramento pessoal. É como se a realidade fosse a paisagem da estrada rumo a verdade. Conforme a viagem avança, a realidade se transforma. Desejos, olhares, cores e sabores se modificam ao ritmo da evolução do viajante”. Parou de escrever, levantou a cabeça, me olhou com curiosidade e indagou: “Complicado?”. Respondi que já conseguia compreender a impermanência como o ponto de equilíbrio necessário, já que nos deslocamos pela estrada impalpável do tempo através dos passos indeléveis da evolução, que utiliza problemas e dificuldades como método educacional. Então, de uma hora para outra tudo muda para que a lição da vez se apresente. O frade sorriu satisfeito com a resposta. Perguntei quem ele era. A resposta veio como um arco filosófico: “Sou a multidão. Olho-me através do espelho das comparações. Tenho como medida as pessoas que quero superar. Venço quando sou mais forte que os adversários. O mundo é a régua e a balança para me dizerem quem eu sou. Meu tamanho e valor.  Não me vejo; enxergo a mim, a tudo e todos por outros olhos que não os meus. Vejo aquilo que as multidões acreditam existir. Por estabelecerem os padrões de grandeza que me orientam, concedo ao mundo o poder de validar ou não as minhas conquistas”. Surpreendi-me com a imagem que ele apresentava de si mesmo. A explicação veio em seguida: “Refiro-me ao arquétipo do indivíduo comum, como somos todos, em maior ou menor grau de desenvolvimento espiritual, mental e emocional. Falo de onde estamos, não onde podemos chegar. A imposição inconsciente de padrões de comportamento socialmente admirados e secretamente invejados determinam escolhas que definem vidas e destinos. Muitos desejam a glória dos guerreiros, visível às multidões e repleta de vantagens materiais; poucos querem a renúncia dos monges, imperceptível à maioria das pessoas e desprovida de qualquer requinte. Não me refiro a batalhas campais e sangrentas, tampouco a uma rotina religiosa de missas e sacramentos. Falo sobre a desnecessidade conflituosa de derrotar os outros; me refiro à alegria silenciosa de vencer a si mesmo que, em síntese, é o bom combate. Esta é uma prática genuinamente monástica, a qual não exige que o indivíduo se torne um religioso para a adotar em si. A luta do guerreiro muda as fronteiras do mundo; o combate do monge muda as fronteiras da vida. O monge é a evolução do guerreiro. No entanto, os argumentos a sustentar equívocos e vícios, em suas diversas modalidades, resistem na batalha inglória de se sobrepor ou atropelar quem nos atrapalha os desejos. Como somos os outros dos outros, sem a exata percepção de quem somos, replicamos guerras interpessoais que abalam, esgotam e nos afastam da possibilidade de usufruir do mel da vida, apenas possível quando criamos um universo interior capaz de fomentar nossos dons, talentos e capacidades individuais em consonância harmoniosa com o fluxo da vida, por onde se arrastam, navegam, caminham ou fluem todas as pessoas. Cada qual se desloca com a leveza e a suavidade já conquistadas”.  Perguntei que fluxo era este a que se referia. A resposta veio de pronto: “O Caminho da Verdade e das Virtudes. Quanto mais próximo destas, maiores as asas, possibilitando voos mais altos a evitar os muros das mágoas, as flechas dos conflitos e as armadilhas das sombras”. Comentei da grandiosidade de um estilo de vida baseado nesses propósitos. Ele balançou a cabeça em concordância e pontuou: “Todos sentem que o Caminho é grandioso, sem nada que se assemelhe, mas poucos entendem a sua grandeza. Até os brutos desejam amar e ser amados. Mas estamos distantes do amor por pouco ou nada sabermos sobre o amor. Embora seja inerente a todos, o amor precisa de aprendizado. De sã consciência, todos querem ser pessoas boas e gostam, ou gostariam, de praticar o bem. Mesmo aqueles que se aprazem com a maldade, a fazem por serem infelizes ou por desconhecerem o poder e as maravilhas da luz contidas no bem. Eis o portal oculto da mística, pelo qual cada indivíduo terá de atravessar se quiser descobrir, conquistar e fluir impulsionado pela força do amor, da liberdade e da felicidade, usufruindo do equilíbrio proporcionado pela dignidade e pela paz. Uma grandeza sentida, mas pouco compreendida. É como se existisse uma vontade pulsante que enquanto não for decodificada tornará impossível ao viajante viver essa realidade”.

Manifestei o desejo de conhecer um pouco mais sobre o Caminho. Eu quis saber o que era necessário para realizar essa jornada. O frade me olhou por alguns instantes, como se avaliando se atenderia o meu pedido, e disse: “Faz-se necessário vontade e amor-próprio”. Antes que eu falasse que era possuidor de tais predicados, ele me alertou: “Não é tão fácil e simples como parece. Acreditamos possuir as virtudes que conhecemos. Não somos aquilo que sabemos; temos a exata medida das obras que erguemos. Nossas ações definem as virtudes já agregadas na bagagem de quem somos; o nosso conhecimento mostra as virtudes que admiramos, mas ainda não sabemos usar. Aguardam expostas na vitrine das palavras bonitas ou esquecidas na gaveta das ideias adiadas. Precisam ser colocadas em prática e, somente após passarem por rigorosas provas, estarão integradas ao nosso jeito de se deslocar internamente e de se movimentar pelo mundo. Sim, a vida nos testa para se certificar se o aprendizado está servindo na construção da obra de si mesmo e, somente então, chancela a bagagem e autoriza o avanço”. Fez uma pequena pausa para eu concatenar o raciocínio e continuou: “Ter um querer não é o mesmo que possuir uma vontade. Querer é o desejo primário, como uma criança anseia por um doce. Temos mil quereres ao longo dos dias. A vontade é o movimento maduro e direcionado, com rota e destino bem pensados e definidos. A vontade não é vã nem superficial; isto é querer. A vontade nasce do compromisso firme e sincero do indivíduo consigo mesmo, o que a torna um poder irrefreável de movimentação. Diante dos obstáculos a vontade persisti; o querer desiste. A vontade é orientada pela alma e impulsionada pelo amor. Se não for, é mero querer ou uma complexa obsessão”. Admiti que nunca tinha observado o conceito de vontade por essa ótica. Apesar disto, o amor-próprio não parecia possuir maior dificuldade. O frade sorriu e alertou: “amar a si não é apenas querer o melhor para si. Isto os vaidosos, egoístas e gananciosos também desejam”, e fez uma pergunta que não necessitava de resposta: “Como buscar algo que desconheço?”, e prosseguiu: “Para saber o que é melhor para mim necessito conhecer o que me falta e excede; os atributos impulsionadores e vícios prejudiciais; a verdade ainda ignorada sobre aquele que não sou e quem posso me tornar. Não nos padrões aclamados pelo mundo, mas na beleza silenciosa da minha singularidade. O amor-próprio precisa enfrentar a jornada do autodescobrimento para se realizar na autotransformação”.

Confessei que era mais difícil do que eu imaginava, mas que eu estava disposto a persistir. Indaguei o que mais era necessário saber para começar a jornada. O frade pontuou: “O Caminho é o guardião de três tesouros, cujos significados são essenciais para iniciar a viagem. O primeiro é a mansuetude”. Pedi para que explicasse melhor. Ele foi didático: “As virtudes são como um estuário, o espaço onde o rios da sabedoria encontram os mares do amor. Isto faz de cada virtude um dos elementos de transição das sombras para a luz. A mansuetude é fruto da compaixão, uma virtude apenas possível quando vivemos a ideia de que não podemos exigir de ninguém a perfeição que não temos para oferecer. Por vício comportamental, desejamos que as pessoas sejam tolerantes com nossas limitações, ao passo que somos impacientes com os erros alheios. Pedimos por juízes míopes, incapazes de ver nossos equívocos em detalhes, mas fazemos uso de lentes de aumento para julgar os outros. Somos um manancial de conflitos em decorrência da incoerência das nossas próprias incompreensões. Sem compaixão faltará paciência, tolerância e gentileza; não haverá entendimento sobre os limites do respeito, a aplicação da justiça e a construção do perdão, virtudes que mais à frente o viajante terá de agregar a bagagem se quiser prosseguir no Caminho. A mansuetude traz leveza aos deslocamentos internos por desmanchar mágoas, e suavidade aos movimentos externos por evitar conflitos, sempre desnecessários”.

A transparência é o segundo tesouro do Caminho.A simplicidade é a virtude da transparência. Trata-se da capacidade de se enxergar sem as máscaras das mentiras que gostamos de acreditar, de se despir dos personagens criados pela carência da validação ou aceitação alheia, dependências típicas de quem ainda desconhece ou não acredita nos próprios dons, talentos e capacidades. Enquanto não reconhecer em si o seu próprio valor não conseguirá abandonar o vício pelos aplausos. Tampouco será capaz de dizer sim ou não com amor e firmeza sem as ponderações desnecessárias oriundas da insegurança típica de quem ainda não permitiu que as raízes da verdade se aprofundassem na consciência. Sem a clareza orientadora e reveladora contida na simplicidade, as intenções se mostram dúbias e relações ficam obscuras. Nenhuma vitória será possível. Ninguém conquista coisa nenhuma antes de conhecer e conquistar a si mesmo. Para o movimento primordial há de haver coragem para se mirar desnudo diante do espelho da verdade para que possa entender as transformações necessárias; o que quer e o que mais não serve em si. A cada deslocamento terá de retornar ao espelho para descobrir outro diferente aspecto que necessita de mudança. Depois, mais uma vez e mil outras vezes. Admitir-se um desconhecido para si mesmo é a etapa inicial para acessar a própria essência e a multiplicidade de aspectos que compõem as nossas infinitas possibilidades evolutivas. Trata-se do primeiro e fundamental contato com a verdade, ponto angular de toda cura e libertação”.

O terceiro tesouro consiste na firme determinação de nunca se colocar na frente ou acima de ninguém, uma difícil e bonita atitude de humildade, a virtude das asas de longo alcance. Acreditar-se grande é escolher uma caixa pequena para viver; não haverá como crescer. A humildade é a ousadia e coragem de viver fora da caixa e, então, ganhar a capacidade de se transformar em tudo aquilo que puder ser. Enquanto houver disponibilidade interna, não haverá limites de onde o viajante poderá chegar. O humilde não se ilude nem deseja o tamanho do deserto. Sabe que toda força e equilíbrio se concentra no grão de areia, sem o qual a imensidão do deserto não se sustenta. O grão traz em si a essência do deserto. Nisto reside todo o poder. Por compreender o valor contido no pequeno o humilde revela a sua grandeza; por não se considerar grande, não cessa de crescer. O humilde não se permite lutar com ninguém, se dedica em vencer a si mesmo na transposição diária das suas sombras em luz. Nunca se fecha em ideias, conceitos e certezas intocáveis; respeita e recebe o novo como elemento indispensável à transformação seguinte. A humildade é a virtude de quem observa os movimentos das estrelas para saber como se deslocar nas rotas do mundo. Em outras palavras, a humildade é a virtude do aprendiz que prioriza as conquistas da alma como manifestação de excelência e transformação no mundo”.

Eu queria saber mais sobre a aplicação práticas dessas virtudes nas relações cotidianas. O frade arqueou os lábios em singelo sorriso, como se gostasse de falar sobre esse assunto, e disse: “Ser manso me faz corajoso; isto corrobora toda a minha força e equilíbrio. Ao contrário do que se acredita, a violência não é manifestação de valentia, porém, artifício típico de quem se move por intermédio do medo, está vazio de argumentos e razões ou é desprovido de amor e sabedoria. A compaixão não é piedade, o que levaria à armadilha do orgulho e da vaidade, por se acreditar acima da média. Um erro comum. A compaixão tem origem na compreensão sincera e humilde. O esforço honesto de se recusar a julgar o equívoco alheio por reconhecer as próprias dificuldades, ainda que outras e diferentes. Uma linda maneira de lidar com as pessoas e de amar as multidões. É aparentemente mais fácil odiar e execrar aqueles que nos atrapalham e ofendem. Não é isto que os ignorantes e brutos fazem? Admitir as próprias imperfeições ajuda a compreender as dificuldade alheias. A paciência, a tolerância, a delicadeza e o perdão, virtudes manifestadas pelo indivíduo manso em sua movimentação pela vida, revelam modalidades de amor destinadas aos fortes, aqueles que têm coragem para lidar consigo mesmo e com a verdade. Coragem sem compaixão é selvageria e destruição. Coragem com mansidão é entendimento e construção. Problemas, dificuldades e oponentes não têm a finalidade de nos devorar, mas de ensinar algo que ainda desconhecemos sobre quem somos. Sem a sabedoria e o amor contidos na compaixão, aqueles que me atrapalham serão vistos como algozes. Irei travar uma guerra sem vencedores. Com compaixão encontrarei alguém melhor dentro de mim e um mestre escondido por trás de cada obstáculo. Não há vitória maior”.

O meu olhar atento o animou a continuar com as aplicações práticas: “Somente a transparência me tornará inteiro. Enquanto eu não retirar as máscaras e as fantasias, me despir dos personagens e das mentiras, serei apenas um fragmento de tudo que posso me tornar. Restarei incompleto enquanto morar em mim alguém que desconheço. De nada adianta possuir muitas coisas sem jamais conseguir me conquistar por inteiro. Enquanto restar uma parte desconhecida ou negada que me habita, ao menor infortúnio serei arrancado do meu eixo de luz. Vitória sem transparência é um devaneio, um enorme engano por nos iludir sobre um domínio imaginário que, por consequência, no conduzirá à recorrentes desastres”. Olhou-me por instantes e abriu o baú das minhas memórias com uma simples pergunta: “Sabe quando tudo insiste em dar errado ou quando a queda é abissal?”. Engasgado com lembranças que me assaltaram naquele momento, apenas respondi sim com a cabeça. Ele prosseguiu: “Não cabem lamentações. Ninguém pode culpar a vida pelas mentiras que gosta de acreditar. A maior das mentiras está em acreditar ser quem não somos. Longe da simplicidade nos manteremos distantes da essência. Viajaremos sem a bússola da verdade. Impossível aportar no melhor destino”. Perguntei como saber se uma vitória era autêntica e luminosa. O frade esclareceu: “Não existirá vitória se a conquista não me tornar uma pessoa diferente e melhor; se não fizer de mim um indivíduo mais virtuoso, um viajante com maior determinação e equilíbrio em meus deslocamentos, me permitindo fluir pelo dias com mais leveza e suavidade. Ganhar o mundo, mas perder a si mesmo jamais se traduzirá em vitória. A genuína vitória consiste na luz que se intensifica na alma. Algo impossível para quem não se conhece e, portanto, não tem ideia dos movimentos internos que necessita realizar. Antes, se faz indispensável saber quem sou para, somente depois, entender para onde quero ir. Se não for uma viagem sem máscaras, fantasias, personagens enganos e mentiras, não conseguirei ir a lugar nenhum”.

Questionei o que levava uma pessoa a negar o poder da simplicidade, fundamental para conquistas tão importantes. O frade explicou: “A incapacidade de compreender e aceitar o alcance e os benefícios da humildade. O orgulho ainda se manifesta com tanta intensidade e influência, que a humildade é considerada uma fraqueza para muitos. Estes ignoram o poder e as maravilhas da verdade e das virtudes, das quais a humildade é a fonte primordial. Todos querem ser grandes sem entender que tamanho sem humildade é vitória vazia. Seria como erguer um prédio alto sem os devidos pilares fincados no subsolo. A humildade são os alicerces que sustentam o crescimento e a altura. Como fica enraizada na alma, fora da visão daqueles que só enxergam o que está na superfície, se deixam seduzir pelo brilho artificial da soberba e da vaidade. Esgotam-se nas lutas do mundo. Perdem mesmo quando ganham”. Suspirou resignado e continuou: “Não compreendem que a humildade os tornará invencível. Ninguém pode derrotar aquele que não tem a pretensão de a se tornar maior ou melhor do que os outros. Não se pode vencer quem luta apenas consigo mesmo”. Deu de ombros e concluiu: “Enquanto negarem o poder da humildade, seguirão tombando na mudança dos ventos e ardendo na fogueira do tempo. Não conhecerão a genuína grandeza. Nem tudo que é grande é verdadeiramente grandioso. Não entendem o sinal e a linguagem das estrelas. A luz e a evolução”.  

Comentei que havia muitas modalidades de violência, das disfarçadas às ostensivas, na relações pessoais. O frade argumentou: “A virtude, aliada à verdade, é a melhor defesa. Como é a confluência do amor com a sabedoria, o viajante virtuoso sempre conseguirá se desviar das ofensas com a destreza e a habilidade proporcionadas pela compaixão, simplicidade e humildade. Entender que a agressividade fala dos desequilíbrios do agressor em relação a si mesmo, faz perceber o quanto aquele indivíduo está aprisionado às próprias incompreensões. A verdade mostra o agressor não como um inimigo, mas como alguém afogado nas tempestades do sofrimento. Quem combate pelo viés da luz jamais faz uso do mal, do revide ou da vingança, em qualquer das suas muitas possibilidades, mesmo os tendo à disposição como arma de combate. Agindo desse modo, nenhum conflito alcançará o viajante; tampouco restará dentro dele qualquer traço de ódio ou mágoa”. Questionei se viver assim não nos deixaria vulnerável. O frade finalizou a lição: “Não há o que temer. Nada faltará a quem caminha pelo lado ensolarado da estrada. O céu protege quem luta com grandeza”.

Fomos interrompidos pela voz de alguém que o chamava do lado de fora do convento. Anoitecera. Era hora de partir. Sorri em agradecimento. O frade sorriu de volta e, sem dizer palavra, olhou para o chão. Acompanhei o seu olhar. A luz refletida pela lua, ao atravessar o vitral no formato de um mosaico, se fragmentava para desenhar uma espetacular mandala sobre os meus pés. Bastou-me fechar os olhos para seguir a viagem.

Poema Sessenta e Sete

Todos sentem que o Tao é grandioso,

Sem nada que se assemelhe,

Mas poucos entendem a sua grandeza.

O Tao é guardião de três tesouros:

O primeiro é a mansuetude;

A transparência é o segundo;

O terceiro consiste em nunca se colocar

Na frente de ninguém.

Ser manso me faz corajoso;

A transparência me torna inteiro;

A humildade me faz invencível.

Coragem sem mansidão é selvageria;

Vitória sem transparência é engano;

Tamanho sem humildade é poder vazio.

Nem tudo que é grande possui grandeza.

A virtude é a melhor defesa;

O céu protege quem luta com grandeza.

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